Compreendo a preocupação, sobretudo num ano em que, em Portugal, todos os programas de Português do ensino básico vão entrar em vigor. Ao entrarem todos em vigor ao mesmo tempo, poderão acontecer perplexidades como a que é apresentada. Futuramente, quando ao 5.º ano chegarem alunos a quem já tenha sido veiculado o programa que vai entrar em vigor no próximo ano lectivo, essa questão colocar-se-á com menos acuidade, uma vez que os aspectos referidos são de aquisição explícita no 1.º ciclo, como se pode verificar na página 55 dos novos programas.
Se tivermos em conta o que se refere no programa anterior do 1.º ciclo, verificamos que não é explicitado esse conteúdo, sendo a referência mais próxima a que surge na p. 159: «Organizar famílias de palavras (segundo critérios diversificados).» É provável, pois, que os alunos se confrontem pela primeira vez com essa terminologia, não por ser nova, mas por não ser de explicitação obrigatória no ciclo de que vêm.
A problemática das famílias de palavras mantinha-se no programa do 5.º ano, ao passo que os conceitos de derivação e de composição eram abordados, segundo o programa que esteve em vigor até ao anterior ano lectivo, no 6.º ano (página 44 do programa). Imagino que seria aqui, no 6.º ano, que se impunha a introdução de termos como prefixo e sufixo.
Voltando à forma de abordar estes conceitos, na página 55 dos novos programas, já referida, na nota 1, refere-se como sugestão de actividades para a identificação de radicais e de afixos o seguinte: «Actividades que permitam descobrir que os afixos são portadores de sentido; descobrir o sentido mais frequente de alguns afixos (ex. –inho com sentido diminutivo; in- com sentido de negação).»
Por seu lado, na página 93 do novo programa, há, também, algumas indicações, nas notas 6 a 8, que poderão ajudar a abordar a questão. Por exemplo, na nota 6, refere-se a identificação de padrões de formação de palavras.
Na nota 7, explicita-se o trabalho com o sufixo -mente, que, de alguma forma, completa o que se diz na nota 6, uma vez que há uma regularidade, ou um padrão: aplica-se o sufixo ao feminino dos adjectivos…
Na nota 8 sugere-se a comparação de palavras para descobrir a sua formação.
Quanto à pergunta sobre a necessidade de abordar esses conceitos, uma vez que eles são do ciclo anterior, não vejo como não o fazer, até porque eles se tornam necessários para o desenvolvimento dos conhecimentos explícitos relativos à derivação e à composição, que, essas, sim, são de explicitação obrigatória no 2.º ciclo, mas não necessária e exaustivamente no 5.º ano.
Como abordar estes conceitos? Devo, antes de mais, referir que a didáctica do 2.º ciclo não é o meu forte, dado ser professora do 3.º ciclo e do secundário. Todavia, parece-me que o estudo das famílias de palavras pode servir de pretexto para introduzir estes conceitos. Ilustro com uma lista de palavras da família de doce: doce; agridoce; adoçar; docinho; doçura; adoçante; adocicar; adocicado; arroz-doce; batata-doce; delicodoce; doceira; docemente; erva-doce; adocicadamente.
Como é que os alunos conseguem fazer, ou identificar, uma família de palavras? Qual é o elemento que permite fazê-lo? Bom! Temos o radical… Mesmo quando na palavra há mais de um, como acontece em agridoce, delicodoce, arroz-doce, erva-doce e batata-doce, a família de palavras está construída em torno do radical doc... Como é que sabemos que o radical não é doce e, sim, doc? É só reparar em palavras como doce, docinho, adoçar. A vogal junto à consoante c muda, pelo que não faz parte do radical. Qual é a palavra que mais se aproxima do radical? Essa será uma palavra simples… As outras têm elementos que se podem unir a outras palavras para construir sentidos novos ou palavras novas: a- (linha: alinhavar; massa: amassar, fixo: afixar, etc.); -ura (amargo: amargura; aberto: abertura; armar: armadura, etc.); -inho (doce: docinho; rapaz: rapazinho, etc.). Acontece que esses elementos (a-, -ura e -inho) não têm vida própria, ou seja, não podem surgir sozinhos. Só fazem sentido associados a um radical. Por isso se chamam afixos, porque se afixam a um radical, ou a uma base…
Como falaremos de base? Base é, no Dicionário Terminológico (DT), um «[c]onstituinte morfológico, que inclui obrigatoriamente um radical, a partir do qual se formam novas palavras. Exemplos "doc-" é a base para "adoçar"; "adoça-" é a base para "adoçante".»
Se voltarmos à nossa família de palavras, e tendo em conta o que o DT refere, poderemos concluir que, em alguns casos, a forma de base se confunde com o radical. Noutros casos, ao radical já foram anexados outros afixos que o fizeram mudar, por exemplo, de classe de palavras. É o que acontece com adoçar, em que a doc, se acrescentou -ar, sufixo que serve para criar verbos. Ou com adocicar, que contém o sufixo -icar, que forma verbos veiculando, simultaneamente, uma ideia de diminutivo. Tanto o verbo adoçar como o verbo adocicar permitem associar à sua base outros sufixos para criar novas palavras, como é o caso de adocicado, adocicadamente, adoçante, adoçado...
Creio que poderão consultar com proveito as fichas para o 2.º ciclo que são apresentadas na página da Direcção-Geral de Inovação e de Desenvolvimento Curricular (DGIDC). Na ficha 5 de CEL (Conhecimento Explícito da Língua), no exercício 2, há propostas de actividades que podem ser utilizadas para trabalhar esta temática.
Bom trabalho!