DÚVIDAS

«Família tipográfica», «tipo de letra» e «fonte tipográfica»

A vossa pergunta/resposta intitulada «"Font" = tipo, carácter, cunho, símbolo» leva-me a apresentar as notas que se seguem, recolhidas de várias fontes oficiosas sobre a matéria e, simultaneamente, perguntar se a informação apresentada estará realmente correcta. Grato pela atenção.

TIPO (DE LETRA) = Conjunto unificado de caracteres (alfabéticos, numerais e marcas de pontuação) cujos desenhos e traçados distintivos [TYPEFACE]) partilham as mesmas características, exibindo propriedades visuais semelhantes e consistentes.

Ex.: Times New Roman

FONTE = Variante de um TIPO (DE LETRA) cujos caracteres têm um determinado estilo (que pode compreender variantes serifadas ou não serifadas), corpo (tamanho) e forma (espessura, largura e inclinação).

Ex.: Times New Roman Bold Italic Corpo 14

O termo FONTE é geralmente confundido com TIPO. Tradicionalmente, em tipografia, uma FONTE refere-se geralmente a um TIPO (ou Família Tipográfica) de um dado tamanho. Um TIPO é um conjunto de desenhos correspondentes aos caracteres específicos de cada linguagem. Compreende os caracteres alfabéticos, numerais, marcas de pontuação e outros ideogramas ou símbolos relativos à linguagem em questão desenhados segundo um conjunto de características ou estilo. A Família Tipográfica compreende as variações do desenho do TIPO em peso, amplitude, orientação ou estilo (p. ex.: Itálico, Negrito, ambos). Tradicionalmente, uma FONTE (do inglês font, ou fount), compreende o conjunto de características que definem a identidade relativas ao seu desenho, abraçando todas as variantes do TIPO e/ou da Família. Assim pode compreender uma série de variantes serifadas e não serifadas como o caso da Stone de Robert Slimbach, ou da Rotis de Otl Aicher. Actualmente, FONTE refere-se ao ficheiro digital onde estão definidos os desenhos dos TIPOS através de linguagens como Post Script, ou True Type (p. ex.) e ainda podem conter dados específicos como as métricas a utilizar (espaçamento e kerning*, caracteres compostos ou tabelas de substituição). Por isso um designer de tipos (type designer), responsável pelo desenvolvimento do desenho, pode não ser a mesma pessoa ou desempenhar o mesmo papel que um Font Developer responsável pela tradução das instruções do desenho para um ficheiro digital.

* KERNING é o acto de determinar uma medida para aproximação ou afastamento de pares específicos de caracteres numa fonte. O mesmo que compensação.

Espaçamento ou espacejamento [SPACING] é a quantidade de espaço em branco entre letras, palavras, ou linhas de um texto. O espaçamento entre letras é normalmente determinado pela largura dos caracteres de uma fonte e, em tipografia digital, também por seus pares de KERNING. O espaçamento entre palavras é normalmente determinado pelo uso de claros ou material branco na composição com tipos móveis e, na tipografia digital, pelo uso dos caracteres de espaço. Na composição com tipos móveis, o espaçamento mínimo entre linhas consecutivas de um texto é determinado pela altura dos tipos e pode ser modificado pelo uso de lâminas de material branco chamadas entrelinhas. Na tipografia digital, o espaçamento padrão entre linhas é predeterminado pelo arquivo de fonte, mas a entrelinha pode ser modificada em programas de manipulação de texto.

Resposta

As diferenças que sente na nossa resposta anterior assemelham-se ao que sentimos quando consultamos um dicionário geral e o comparamos com um dicionário especializado. O nível de precisão, e de especialização, não é, nunca, igual. Além disso, quando as nuances entre os termos são mínimas, a linguagem nem sempre, por si só, consegue ser inteiramente esclarecedora, assumindo aí os exemplos um papel crucial. A questão fundamental que coloca prende-se com as diferenças entre os termos fonte (tipográfica) e tipo (de letra) utilizados hoje em dia de forma mais ou menos indiscriminada, mesmo em alguns meios das artes gráficas, para o que involuntariamente contribuíram os programas informáticos de processamento de texto e a própria tipografia digital, em que essa separação não é tão nítida. Ensaiando uma explicação inteligível para todos, e introduzindo aqui também o conceito de família tipográfica, diria que: uma família tipográfica compreende o conjunto de todas as variantes de um tipo de letra, entendendo-se por variante a inclinação (redondo ou itálico), a espessura (fino, normal ou negrito) e a largura (comprimido, condensado ou estendido); o tipo de letra compreende o conjunto de fontes de uma mesma família tipográfica, e a fonte tipográfica é apenas uma variante de um tipo de letra. Pegando no exemplo que deu, o Times New Roman é um tipo de letra, e o Times New Roman Negrito é uma fonte tipográfica que pertence à família tipográfica do Times New Roman. Não é também de descurar neste contexto a própria evolução dos conceitos suscitada pela tipografia digital. Antes dela, em português de Portugal, o termo fonte era, aliás, muito pouco utilizado. Note ainda, relativamente ao corpo, ao tamanho da letra, por exemplo, que, na tipografia digital, por assentar em programas de desenho vectorial, essa característica passou a fazer parte integrante da respectiva fonte, enquanto na tipografia física os diferentes tamanhos de fontes tinham existência aut{#ó|ô}noma. E a situação não irá, porventura, ficar por aqui. Ainda há poucos meses constatei que a Microsoft, após ter amplamente divulgado o uso do termo fonte, parece ter deixado de o utilizar. No Windows 7, por exemplo, fala-se em família de tipos de letra e em tipos de letra individuais (fontes).

Por último, atendendo a que juntou os conceitos de kerning e de spacing, e de modo a torná-los inteligíveis a não especialistas, o kerning ou compensação é o ajustamento do espaço entre dois caracteres de modo a obter a distância ideal entre eles, e o spacing ou espaçamento é o espaço entre caracteres, palavras ou linhas. Ambos visam a clareza tipográfica, a consistência e a fluidez do texto impresso. Em português fala-se na entreletra, para ilustrar o espaço entre caracteres, e na entrelinha, ou entrelinhamento, para ilustrar o espaço entre linhas. O texto tipograficamente escorreito será aquele em que o leitor se mova com facilidade entre palavras e linhas. Kerning e spacing organizam espaços. Há quem faça mesmo o paralelo da tipografia com a música e refira que se as letras são o som, os espaços são o silêncio, não vivendo as primeiras sem os segundos.

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