A palavra juíza aparece registada em dicionários do século XX, como por exemplo o Grande Dicionário da Língua Portuguesa, de António de Morais Silva, (1949-1958), com estas definições: «forma feminina de juiz», «mulher que julga, mulher que exerce as funções de juiz». A Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira (década de 1950) abona esse termo com frases de Castilho (séc. XIX): «Se tem de que me acuse, exponha-o francamente agora ante a juíza, estando o réu presente!» (As Sabichonas, IV, 2, p. 169) e «a juíza e árbitra da festa» (O Misantropo, III, 1, p. 93). O Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, da Academia das Ciências de Lisboa (2001), regista as formas juiz e juíza como a «pessoa que tem como função administrar a justiça, fazer valer o direito, aplicar a lei», tendo como abonação de juíza a seguinte frase: «Posteriormente, a juiza [sem acento, o que é um erro] considerou ter sido provada a matéria de facto» (Público, 31.5.1996). Assim, cara consulente, temos de admitir que uma mulher que exerce as funções de juiz pode ser designada de juíza.
No entanto, o termo permaneceu como comum de dois («o juiz», «a juiz») em Portugal ao longo de todo o século XX, não só por tal profissão ter sido exercida por homens ao longo de séculos, como por não ser usual o feminino em -iza, como muito bem faz notar. A chegada das mulheres à magistratura levou a que o nome da profissão, que era inicialmente apenas masculino, se tornasse “comum de dois” («o juiz», «a juiz»). E, posteriormente, o substantivo acabou por ganhar também uma forma feminina, seguindo a regra geral da formação do feminino em português (com o morfema a).
Neste momento, tanto se considera correcto dizer «a juiz» como «a juíza». A língua é dinâmica, e a fortuna de um vocábulo advém do uso que lhe derem os falantes, sobretudo os falantes cultos da língua. Se os magistrados — primeiros utilizadores deste termo, e referência qualificada — optarem com maior frequência pela designação «a juíza», a palavra ganhará definitivamente essa forma; se a rejeitarem, ela acabará por cair em desuso.
Quanto ao termo presidente, aí estou plenamente de acordo com a nossa consulente. Deverá dizer-se «a presidente». As palavras terminadas em -ente são comuns de dois. Exemplos: «a agente», «a combatente», «a concorrente», «a confidente», «a consulente», «a crente», «a delinquente», «a descendente», «a indigente», «a paciente», «a presidente», «a recorrente», «a regente», «a requerente», «a servente», «a sobrevivente», «a vidente», etc. Tal característica decorre do facto de estas palavras serem na generalidade provenientes do particípio presente dos verbos latinos, com o significado primitivo de «aquele ou aquela que age, que combate, que concorre, que consulta, que preside, etc». A terminação da palavra tem que ver com a duração da acção, e não com quem a pratica (masculino ou feminino), que vem identificado apenas no artigo.
O facto de começar a haver dicionários que registam a palavra presidente alterando a terminação de -e em -a para diferenciar a forma do feminino apenas significa que esses dicionários resolveram registar um modismo, uma ocorrência sem suporte linguístico na morfologia actual.
Para terminar, não posso deixar de considerar estranho querer-se reduzir a variedade da terminação da designação do feminino que existe na língua portuguesa (em -a, como «a menina»; em -o como «a piloto»; em -e como «a estudante»; em consoante, como «a juiz» ou «a repórter») à simples terminação em -a. Atrevo-me a dizer que tal preocupação por parte das mulheres até me soa a ridículo. Que diríamos se os homens agora reivindicassem para si a designação de «o "maquinisto"» («o maquinista»), «o "astronauto"» («o astronauta»), «o "jornalisto"» («o jornalista»), «o "juízo"» («o juiz») ou «o "presidento"» («o presidente»)?…
Cf. Juiz/juíza