Recentemente estive lendo o Dicionário prático de regência verbal de Celso Pedro Luft (um bom livro!).
Lá, deparei-me com um caso curioso: o verbo combater podendo ter dois "objetos indiretos".
O autor diz que o verbo é transitivo indireto e cita as preposições com, contra, por e a locução prepositiva «a favor de»...
Depois disso, observei uma frase:
«Combati contra José pela liberdade.»
Temos, na frase citada, dois objetos? «Pela liberdade» não dá uma ideia de locução adverbial de causa?
Obs.: A frase [em questão] não foi lida no livro, e sim em um artigo; mas, [apoiado] na visão de Luft, julguei dois objetos indiretos.
Desde já agradeço a enorme atenção que os Senhores sempre tiveram.
No vilancete camoniano “Descalça vai para a fonte”, no verso «vai fermosa e não segura», o constituinte «fermosa e segura» é classificado como predicativo do sujeito, o que confundiu os alunos, dado que o verbo ir seleciona complemento oblíquo, como no 1.º verso: «… vai para a fonte».
Agradecia a vossa explicação, porquanto as gramáticas que consultei não foram esclarecedoras.
A ambiguidade da palavra também pode ser explicada sintaticamente?
Partamos da frase: «João foi ao jogo.»
Nela, podemos incluir a palavra “também” com dois sentidos distintos:
1) Também João foi ao jogo = [além de José,] também João foi ao jogo
2) João foi ao jogo, também = João foi [à festa e] ao jogo, também
Sem contar opções mais ambíguas (quanto mais próximo ao verbo, maior a ambiguidade):
3) João também foi ao jogo – mais próxima ao exemplo 1, mas pode gerar ambiguidade
4) João foi também ao jogo – mais próxima ao exemplo 2, mas pode gerar ambiguidade
Todas as gramáticas e dicionários classificam o também como advérbio e adjunto adverbial «de adição» ou «de inclusão». Contudo, é interessante notar que:
a) no exemplo 1, o também adiciona uma informação ao sujeito;
b) no exemplo 2, o também adiciona uma informação ao objeto indireto.
Fenômeno análogo ocorre com o advérbio só, embora com diferenças, p.ex.:
1) Só João vai ao jogo = e ninguém mais vai com ele = referente ao sujeito => inequívoco;
2) João só vai ao jogo = (não faz mais nada = referente ao verbo) OU (não vai a mais nenhum lugar = referente ao objeto);
3) João vai só ao jogo = (não vai a mais nenhum lugar = referente ao objeto) OU (vai sozinho = adjetivo);
4) João vai ao jogo, só = (só isso acontece) OU (foi sozinho = adjetivo).
No entanto, no exemplo citado, o fenômeno não acontece com outros advérbios, como sempre e nunca:
– Sempre/nunca João vai ao jogo = João sempre/nunca vai ao jogo = João vai ao jogo, sempre/nunca = é o que ele sempre/nunca faz.
A variedade de sentidos aumenta em frase que usa verbo bitransitivo. P.ex., com também:
1) Também João deu um presente a Maria = outra pessoa também deu = referente ao sujeito;
2) João também deu um presente a Maria = João também fez outras coisas, além de dar um presente = referente ao verbo;
3) João deu também um presente a Maria = João também deu outras coisas, como um abraço = referente ao objeto direto;
4) João deu um presente também a Maria = João deu também a outra pessoa = referente ao objeto indireto;
5) João deu um presente a Maria, também = ambiguidade.
Com só:
1) Só João deu um presente a Maria = ninguém mais deu = referente ao sujeito;
2) João só deu um presente a Maria = João só fez isso = referente ao verbo;
3) João deu só um presente a Maria = João deu só um, não dois presentes = referente ao objeto direto;
4) João deu um presente só a Maria = João deu só a Maria, a ninguém mais = referente ao objeto indireto;
5) João deu um presente a Maria, só = forma incomum, truncada
Já com sempre e nunca, o significado antes invariável apresenta agora sutis variações.
Comecemos com o sempre:
1) Sempre João dá um presente a Maria = ambiguidade (sempre ele ou segue o sentido 2);
2) João sempre dá um presente a Maria = sempre faz a mesma coisa = referente ao verbo;
3) João dá sempre um presente a Maria = nunca dá outra coisa = referente ao objeto direto;
4) João dá um presente sempre a Maria = nunca a outra pessoa = referente ao objeto indireto;
5) João dá um presente a Maria, sempre = ambiguidade (segue 2 ou 4).
Agora com nunca:
1) Nunca João dá um presente a Maria = ambiguidade (segue 2 ou, incomum, nunca ele);
2) João nunca dá um presente a Maria = nunca faz isso = referente ao verbo;
3) João [não] dá nunca um presente a Maria = sem o acréscimo do “não” é incomum, com o “não” segue 2;
4) João [não] dá um presente nunca a Maria = incomum, segue 3;
5) João [não] dá um presente a Maria, nunca = segue 3
Apesar disso tudo, continuam todos sendo adjuntos adverbiais (exceto o só, que numa das frases acima é adjetivo, como indiquei).
Há alguma explicação sintática para a mudança de sentido conforme sua colocação na frase?
Muito obrigado pela atenção.
Eu e alguns colegas gostaríamos de receber a vossa ajuda no que diz respeito à análise sintática da frase seguinte:
«O Silva veio de carro para a escola.»
Muito obrigada.
Exponho abaixo o que considero saber com certeza sobre a constituição do grupo nominal (com alguns exemplos) para depois expor as situações que me geram dúvida.
Um grupo nominal...
1. tem por núcleo um nome ou um pronome n: Lisboa pron: ele
2. ao nome podem estar associados um ou mais determinantes det art def + det poss + n: «o meu carro» det demonstr + n: «este carro»
3. ao pronome pode estar associado um determinante artigo det art def + pron poss: «o teu»
4. tanto ao nome como ao pronome pode estar associado um quantificador quant univ + det art def + n: «todos os carros» quant univ + pron: «todos eles»
5. ao nome podem ainda estar associados o complemento do nome e/ou modificadores do nome (restritivo ou apositivo) [det art def + n + [prep + det art def + n] ]: [o carro [da Maria] ] [det art def + n + [adj] ]: [o carro [azul] ]
Nos exemplos deste último ponto, o grupo nominal inclui um grupo preposicional e um grupo adjetival, respetivamente, os quais assumem as funções de complemento e modificador, respetivamente.
No entanto, há várias grupos nominais que me deixam em dúvida sobre como encarar a sua constituição, todos eles incluindo quantificadores que são expressões partitivas. Por exemplo: «alguns dos carros»/«a metade dos carros». Em ambos os exemplos, a análise que faço da estrutura é [quant [prep + det art def + n] ], o que me levou a concluir (com muita certeza de ser a conclusão errada) que o quantificador pode constituir o núcleo de um grupo nominal sendo seguido por um grupo preposicional.
Na sequência da minha confusão, palmilhei todas as perguntas na categoria de quantificadores, e selecionei duas explicações que indico abaixo e que me parecem particularmente relevantes mas que me deixam ainda perplexa.
– excerto de explicação 1.
Numa resposta do Ciberdúvidas sobre a concordância do verbo com expressões partitivas é mencionado um extrato da Gramática do Português da Fundação Calouste Gulbenkian (2013, pp. 942/943), que inclui o excerto abaixo:
«Admite-se que é o nome nuclear de um sintagma nominal que desencadeia a concordância verbal. Assim, [no exemplo] acima, a concordância singular corresponde a uma estrutura em que o núcleo sintático do sintagma nominal complexo é o numeral, ao passo que a concordância plural corresponde a uma estrutura em que o núcleo do sintagma nominal é o nome que denota o domínio da quantificação.» (in Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, consultado em 12-02-2023)
– excerto de explicação 2.
Na resposta à questão "Percentagem + adjetivo: «31% maior", pode ler-se:
«Relativamente aos quantificadores numerais percentuais, recorde-se que estes podem incidir sobre um nome, como acontece em (1):
(1) "Dez por cento dos alunos leram este livro."
Não obstante, estes quantificadores também podem incidir sobre um adjetivo, como se verifica em (2)1:
(2) "Os livros ficaram dez por cento mais caros."
Assim sendo, podemos concluir que os quantificadores numerais têm a possibilidade de incidir sobre um adjetivo.» (in Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, consultado em 12-02-2023)
– A estrutura dos exemplos com quantificadores numerais percentuais parece-me em tudo idêntica à dos meus exemplos, mas não me é claro o que a expressão «incidir sobre» significa para a análise dos constituintes do sintagma. A ideia de que «Assim, [no exemplo] acima, a concordância singular corresponde a uma estrutura em que o núcleo sintático do sintagma nominal complexo é o numeral», expressa no excerto 1, parece reforçar a minha conclusão inicial de que o quantificador pode, em expressões partitivas, ser núcleo do sintagma nominal, mas tal ideia continua a soar-me herética.
Acrescento em nota de rodapé que há vários anos que leciono acima de tudo línguas estrangeiras e que as raras vezes que trabalhei a língua portuguesa foi com alunos do 2.º ciclo. Eu tenho a noção de que estas questões podem ser consideradas avançadas, mas parece-me contraprodutivo não ter uma resposta para dar aos alunos (poucos, é certo, mas não irrelevantes) que demonstram interesse e querem saber mais. Não ter uma resposta para dar a esses alunos é especialmente desmotivante quando começam a ganhar confiança na sua capacidade de não só identificar classes de palavras, mas também de as agrupar em grupos hierárquicos e atribuir-lhes funções, pois esses poucos tentam depois por sua própria iniciativa aventurar-se mais à frente, em busca tanto de desafios como de validação dos seus conhecimentos e capacidades. A este nível não precisam de memorizar já os nomes dos diferentes tipos de complementos e modificadores, mas sabendo que cada grupo frásico tem uma função sintática, podem facilmente deduzir que aquele grupo preposicional à frente do quantificador há de ser um qualquer complemento ou modificador anónimo aninhado dentro do grupo nominal do sujeito. Infelizmente, eu não sei o que lhes dizer.
Caros senhores, antes de mais, obrigado pelo vosso trabalho!
Nas orações substantivas relativas seguintes, a preposição faz parte da oração subordinada ou não?
a) Ele agradece a quem o acompanhe. (complemento indireto)
b) Ele precise de quem o ajude (complemento oblíquo)
Continuação de bom trabalho!
Quando observo a explicação dada para provas de concurso em português do Brasil sobre a expressão tal qual, em que tal concordará com a palavra anterior e a qual com a palavra seguinte, assola-me a dúvida de que tal seja correto em português europeu.
Por isso, a minha questão é a seguinte: as frases «A Rita é tal qual os pais» e «A Mariana e o Francisco são tais quais os pais» estão corretas?
Sou revisora e, revisando, entravei-me neste trecho:
«Ela atua como intermediária entre o banco e o consumidor, sendo responsável por informar ao cliente documentações necessárias.»
Creio, e isso é pessoal, que se é possível evitar orações reduzidas de gerúndio e de partícipio, devemos fazê-lo, porque sempre trazem algum prejuízo à compreensão do leitor.
Neste caso, que deveria eu inferir? A oração «sendo...» sugere causa, modo/temporalidade?
Ou, ainda, que, aí, se vê uma oração coordenada assindética de gerúndio (que é algo que não se deve fazer)? Pendi muito mais ao último caso.
Adoraria ter a ajuda de vocês.
Obrigada!
Num artigo deparei-me com a seguinte sequência: «Quanta luz é o suficiente para...»
Tendo em conta que luz é nome feminino, não deveria existir uma concordância entre esse nome e a expressão «o suficiente»?
Sei que «o suficiente» é uma expressão adverbial, contudo sendo o verbo ser selecionador de predicativo do sujeito, pergunto se é possível manter a estrutura da expressão adverbial.
Obrigada.
A gramática de Cunha e Cintra apresenta o seguinte: «Integrantes (servem para introduzir uma oração que funciona com o SUJEITO, OBJETO DIRETO, OBJETO INDIRETO, PREDICATIVO, COMPLEMENTO NOMINAL ou APOSTO de uma outra oração). São as conjunções que e se.»
Levando em consideração a frase «Não sei quando chegarei da viagem», poder-se-ia dizer que quando, em alguns contextos, também é uma conjunção integrante, pois a estrutura «…quando vou chegar da igreja» parece funcionar como complemento de objeto direto?
Obrigado antecipadamente.
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