DÚVIDAS

O indicativo em lugar do conjuntivo
Sempre disse e ouvi duvidar na afirmativa com subjuntivo, mas vejo numa conceituada revista hebdomadária brasileira: «Duvido que o Brasil virá a ser um grande exportador de petróleo. Ninguém sabe qual é o custo de produzir sob a camada de sal.» Esta frase foi proferida por Albert Fishlow, economista americano, que certamente a pronunciou em inglês, e traduzida por alguém depois, o que descarta os lapsos que muitas vezes se cometem na linguagem falada. Por isso mesmo, pergunto-lhes: é lícito usar o indicativo aí? Talvez o tradutor tenha optado por esse modo por haver referência futura (vir a ser), já que o futuro do subjuntivo, existente em português, seria agramatical («duvido que o Brasil *vier a ser»). Usando o subjuntivo, teria de dizer-se algo como «Duvido que o Brasil passe a ser/seja algum dia/se torne ...». Saudações brasileiras.
A regência do verbo assegurar
Num dos testes da edição de 2008 do Campeonato da Língua Portuguesa surgiram algumas dúvidas sobre a regência do verbo assegurar. A Comissão Técnico-Científica do CLP enviou nessa altura a todos os participantes um detalhado esclarecimento sobre a regência desse verbo que, em resumo, concluía o seguinte: 1) O verbo assegurar não pede preposição quando não se encontra conjugado como reflexo. Exemplo: «Asseguro que eles estiveram presentes.» 2) Quando verbo pronominal reflexo exigirá o regime de. Como exemplo, temos a frase: «Assegurei-me de que a porta não estava aberta.» A frase que deu origem ao debate sobre este verbo aparecia num dos testes do CLP e era a seguinte: «Posso assegurar-vos de que todas as nossas especialidades terão zero calorias.» A Comissão Técnico-Científica e muitos dos participantes no CLP considerámos que a frase continha um erro, pois, baseando-nos no argumento 1) anterior, dever-se-ia escrever «Posso assegurar-vos que todas as nossas especialidades terão zero calorias». No entanto, e apesar do debate, continuo com uma dúvida sobre este assunto. Já anteriormente a enviei à CTC, mas sem resposta, talvez porque depois de finalizado o CLP a Comissão logicamente já não se encontre em funções. Passo a explicar, pois, a minha dúvida. Está claro que o verbo assegurar-se sempre irá acompanhado da preposição de, já que «eu asseguro-me de alguma coisa/disto/daquilo». Também é lógico não ser necessária a proposição em casos como «eu asseguro à Maria que tudo está bem», ou, de maneira mais simples, «eu asseguro à Maria isto/aquilo», não fazendo qualquer sentido dizer «eu asseguro à Maria disto». Mas: estando claro que posso «assegurar alguma coisa a alguém», posso ou não «assegurar alguém de alguma coisa»? Para tentar explicar a diferença entre as duas frases, diria que na primeira o que se realça é o que se quer assegurar (o facto), enquanto na segunda o importante é quem se quer assegurar (a pessoa). Por outras palavras, o problema reside em saber se o verbo assegurar (no sentido de «assegurar alguém») pode ou não ter o mesmo significado que «dar uma certeza». É que, nesse caso, eu poderia dizer: «Asseguro à Maria que tudo está bem»; mas poderia também dizer correctamente: «Asseguro a Maria de que tudo está bem» — neste último caso, dar à Maria a certeza de algo. Se esta segunda frase for correcta, poderemos perfeitamente distinguir uma frase da outra utilizando os pronomes correspondentes: «asseguro-lhe que tudo está bem», por um lado, e «asseguro-a de que tudo está bem», por outro. Neste contexto, a ambiguidade aparece quando o pronome de complemento directo e o pronome de complemento indirecto coincidem; é o caso de vos, o que nos leva precisamente à frase que aparece no texto do CLP. Dar-se-ia nessa situação o caso particular em que: «assegurar-vos (CI) que tudo está bem», por um lado, e «assegurar-vos (CD) de que tudo está bem» estariam ambas correctas (pois os pronomes de CD e CI coincidem). No texto do CLP 2008 ocorria essa situação sem que se pudesse diferenciar se o vos se referia a um complemento directo ou a um complemento indirecto. Ou seja, poderia considerar-se correcta a frase do texto: «Posso assegurar-vos de que todas as nossas especialidades terão zero calorias.» Eu estaria a assegurar um grupo de pessoas (CD) de alguma coisa. A frase «assegurar-me de alguma coisa» — que admitimos correcta no início deste texto — seria assim perfeitamente compatível com «assegurar-vos (CD) de alguma coisa» e corresponderia ao caso particular em que quem assegura e quem é assegurado são a mesma pessoa. Deixo à vossa apreciação esta dúvida, com um certo ar de sofisma, e espero sinceramente que seja possível entendê-la. Agradeço desde já a atenção dispensada e, talvez, alguma resposta esclarecedora.
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