Consultório - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
 
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Marcos Helena Estudante Lisboa, Portugal 6K

Quem lê Ricardo Reis sabe da necessidade de se colocarem umas gotitas de óleo no mecanismo da reflexão semântica, antes mesmo de se pôr o motor a carburar! E pode ser que, pelo tubo de escape, lá se expilam quaisquer grãos de chumbo que perdurarão pesados, rolando incessantemente pelo asfalto... Estando eu, portanto, a passar os olhos por uma dessas venerandas ;) odes ricardinas – sem qualquer pretensão de análise linguística, diga-se de passagem –, eis que o sino toca e a igreja se enche, repleta! Transcrevo o excerto que me serviu de inspiração para as posteriores análises:

«Nem vã sperança nem, não menos vã, / Desesperança, Lídia, nos governa / A consumanda vida. // Só spera ou desespera quem conhece / que há-de sperar. Nós, no labento curso / Do ser, só ignoramos. [...]»

Nesta passagem, a latinidade de R. R. vem à tona por meio daquela recusa contundente em não se permitir o "bárbaro" uso da vogal protética e daquele partícipio presente «labento» que escapa aos verbetes de dicionário1. Mas onde a fineza de estilo mais transparece é mesmo no uso do gerundivo «consumanda». Do que me relembro, conjugam-se neste adjectivo verbal (a) quer um valor modal deôntico de obrigação, (b) quer um valor diatético passivo no futuro (será por isso que certos latinistas falam do gerundivo como sendo uma espécie de particípio futuro passivo...). Parece, contudo, que, segundo a interpretação que escolhamos, isso nos levará a cambiantes de sentido diferentes.

Aceitando (a), contraria-se de certa forma o ideal de ataraxia, pois impele-se à acção. Pelo contrário, aceitando (b), o poeta referir-se-ia à «única certeza das nossas vidas» – o seu carácter efémero, aqueles estandartes com que publicita o seu próprio fim. Afinal, como ficamos?

Tudo isto me faz lembrar aquelo verso camoniano «... d'aspeito venerando...». Lendo-o à luz deste novo matiz (i. e. como se tratando da reminiscência de um particípio futuro passivo), parece que o autor quase que prevê que os receios do Velho se vão concretizar (e se não concretizaram?). Certamente que, contrariamente ao que apregoam bafientos dicionários, 'venerando' não poderá ser apenas um sinónimo de 'venerável'. Esquece-se-nos a expressão papal «damnabilis, sed non damnanda»? Sentir-me-ia satisfeito caso se dispusessem a partilhar a vossa visão sobre estes assuntos.

Desde já muitíssimo agradecido.

NOTA: TRADUÇÕES-TIPO

– valor modal deôntico de obrigação: «que deve ser...»

– valor diatético passivo no futuro: «que há-de ser...»

(São parecidas, hein?)

José Manuel Gomes OAE Ponta Delgada, Portugal 11K

A questão que venho aqui colocar é relativamente ao artigo definido. Sempre que desejo referir um livro, fico com dúvidas em relação ao emprego do artigo, se devo usá-lo ou não. Antes de vos escrever, deambulei pelo vosso site à procura de resposta e até acho que a encontrei. Porém, não sabendo se a regra se poderá aplicar à minha incerteza, decido, mesmo assim, colocá-la.

Em 2008 foi questionado o seguinte: «A respeito da capital de Moçambique, diz-se "o Maputo", ou "Maputo", sem artigo?»

Como resposta, a sra. Maria Regina Costa explicou: «Quando se designa o rio, utiliza-se o artigo, pois os nomes dos rios são precedidos de artigo: «o rio Maputo», «o Maputo». Quando se designa a cidade, a regra geral é a da omissão do artigo.»

Pois bem, esta regra aplica-se quando refiro algum livro quando posso usar simplesmente o título como resposta?

Exemplo:

— Ontem acabei de ler um livro.

— Que livro leste?

A resposta deverá ser: «li "A Casa Negra"» ou «li o/a "A Casa Negra Negra"»? Também fico com dúvidas de como utilizar o artigo definido, porque o próprio título já o contém — "A" — e é feminino. Mas, e no caso de o título se encontrar no masculino, «O Homem Que Perseguia o Tempo», eu deveria responder: «ontem li o "O Homem Que Perseguia o Tempo"», ou devo omitir o artigo "O", uma vez que o próprio título já o contém?

Grato pela vossa atenção.

Sérgio Bordalo Professor Campinas, Brasil 18K

Há correlação entre as palavras gajo (Portugal), gajo e gajim (ciganos), e gaijin (Japão)?

Todas parecem significar «pessoa», genericamente, ou «pessoa estrangeira» ao grupo que a emprega.

Adriano Marques Cruz Reformado Paris, França 18K

Podiam dizer-me se em português correto se deve escrever «em regra geral» ou em «regra geral», ou se a utilização de um ou outro depende do contexto?

Muito agradecido.

Marlene Damião Diretora pedagógica Ponta Delgada, Portugal 72K

A dúvida prende-se essencialmente com o uso do ponto e vírgula (;).

Gostaria que me esclarecessem, com base nos exemplos abaixo constantes, o cenário mais correto.

«Objetivos Gerais:

– Divulgar e promover a bebida Bubble Tea na nossa Região.

– Dar a conhecer a história e o processo de produção do Bubble Tea.

– Criar Bubble Teas com produtos regionais.»

«Objetivos Gerais:

– Divulgar e promover a bebida Bubble Tea na nossa Região;

– Dar a conhecer a história e o processo de produção do Bubble Tea;

– Criar Bubble Teas com produtos regionais.»

[Há quem afirme] que, após a utilização de :, deve começar-se uma enumeração com letra maiúscula e no final a aplicação de um ponto. A minha versão é que, após a utilização de :, deve começar-se uma enumeração com letra maíuscula e no final a aplicação de um ponto e vírgula.

[Assim:]

– devo [pensar] que, quando se inicia uma enumeração com letra maiúscula, devo terminar a frase com um ponto?

– devo concluir que, quando se inicia uma enumeração com letra minúscula, devo terminar a frase com um ponto e vírgula?

É assim tão linear esta questão?

Todas as gramáticas que consultei, bem como a Constituição da República Portuguesa, art. 70.º, mencionam que cada alínea abre um parágrafo e começa com letra maiúscula e termina com um ponto e vírgula.

Obrigada.

Victor Antunes Engenheiro civil Fundão, Portugal 4K

Tenho uma dúvida quanto à forma como se deve escrever quando nos referimos a uma localidade nomeadamente:

Diz-se «Sou da Póvoa de Atalaia», ou «Sou de Póvoa de Atalaia» (sendo Póvoa da Atalaia uma aldeia)?

E «Sou de Fundão», ou «Sou do Fundão» (sendo Fundão uma cidade)?

Obrigado.

Júlia Roque Desempregada Barreiro, Portugal 5K

Venho, por este meio, pedir que me esclareçam, se possível, o seguinte:

Estava eu numa discussão saudável, com um grupo de amigos, partilhando conhecimentos, troca de ideias, argumentando e debatendo assuntos, quando um dos amigos proferiu a seguinte frase:

«... nessa altura, já era vivo...»

Pessoalmente não concordo com a construção da frase. Será que estou certa?

Foi tema para mais um dos nossos debates, sem chegarmos a acordo.

Tenho consultado vários sites, sem sucesso.

Por favor não ignorem este meu pedido!

Ajudem-me a chegar ao português correto!

Agradeço desde já.

Stella Chokalova Professora Bulgária 4K

Gostaria de pedir sugestões sobre manuais de português para estrangeiros segundo o novo Acordo Ortográfico.

Tenho o manual Português sem Fronteiras, mas não estou segura se não existe outro, mais recente, que seja actualizado segundo as novas normas.

Todo tipo de informações e conselhos será bem-vindo para nós, os estrangeiros, que desejamos aprender melhor a língua portuguesa.

Obrigadíssima!

Ana Luísa Faria Tradutora Bruxelas, Bélgica 24K

Gostaria de confirmar se o uso distinto que faço das locuções «de modo a» e «de molde a» se justifica, ou se as duas são afinal permutáveis.

Escreverei assim «A proposta apresentada é de molde a permitir um consenso» (ou seja, «pela sua natureza ou características, a proposta é suscetível de permitir um consenso»). Escreverei, em contrapartida, «Apresentei uma proposta, de modo a permitir um consenso» (ou seja, «para que cheguemos a um consenso, apresentei uma proposta», sem que haja nexo causal – ou gramatical – direto entre a natureza da proposta e o possível consenso).

Desde já agradeço a vossa resposta.

Nuno Torres Estudante Montijo, Portugal 6K

No jornal Públicouma crónica de Miguel Esteves Cardoso começa assim:

«Ucrânia, tal como Portugal, não tem artigo definido. Assim como não se diz "o Portugal" ou "no Portugal" também não se diz "a Ucrânia" e "na Ucrânia".»

É isto verdade?