DÚVIDAS

A expressão «à memória»
Sei que o tema já foi aqui trazido, mas sem contextualização. Tenho, infelizmente, passado algum tempo num determinado cemitério e tenho ficado intrigada com o facto de as lápides das campas e dos ossários dizerem todas «À memória de». Contudo, nas placas colocadas nos ossários – em particular, mas não só –, existe a nítida intenção de recordar alguém e não, propriamente, a de homenagear ou dedicar o espaço / a placa a alguém. Assim, no meu entender, a inscrição mais correta deveria ser «Em memória de» fulano tal, em vez de «À memória de...», mas não tenho encontrado nenhuma que corrobore o meu ponto de vista. Será que estou enganada?
Consultar e «fazer consultas»
Deve dizer-se "O médico fez dez consultas" ou "Dez doentes consultaram o médico"? Em linguagem corrente, diz-se que foi o médico que fez as consultas. Mas, de facto e tecnicamente, são os doentes que, perante um problema de saúde que os aflige, consultam o médico para uma orientação diagnóstica e terapêutica. Se em vez de dizer "consultei dez doentes", disser "fiz dez consultas", o problema só se agrava. Qual é a forma correta? Ou ambas são corretas? Obrigado.
O pronome clítico o e o verbo estar
Essa questão surgiu após um impasse que tive com um colega, também revisor de texto, a respeito do uso do verbo estar com pronomes acusativos como o, lo, no. Gostaria, portanto, de esclarecer alguns pontos e, se possível, obter exemplos de uso literário dessas construções. Em frases copulativas, como: «O aluno está cansado.» «A porta está aberta.» «Tu estás feliz?» seria possível substituir o predicativo por um pronome acusativo, formando expressões como "O aluno está-o”, “A porta está-o” ou “Tu está-lo?”? Essas formas aparecem em algum registro literário, regional ou arcaico do português? No português europeu, na locução estar + a + infinitivo, há diferença entre «Ele está-o a fazer» e «Ele está a fazê-lo»? Existe preferência normativa ou diferença de estilo entre as duas formas? Quando o pronome sobe para o auxiliar (estar), as adaptações fonéticas continuam válidas? Por exemplo: estás + oestá-lo; estão + o estão-no. Formas como «Tu está-lo a terminar» ou «Eles estão-no a construir» são aceitas? No português do Brasil, com estar + gerúndio, qual das opções é mais adequada ou usual: «Ele o está fazendo», «Ele está fazendo-o» ou simplesmente «Ele está fazendo isso»? Por fim, fora das locuções (estar a + infinitivo / estar + gerúndio), é possível empregar «Ele está-o» (sem verbo posterior) para retomar algo já mencionado, equivalente a «Ele está nisso»? Agradeço desde já pela atenção e, se possível, gostaria de exemplos de uso literário (clássico ou moderno) dessas construções, caso existam. 
Associação de palavras gramaticais: «com que»
Entro em contato para sanar uma dúvida que me acompanha há algum tempo. Trata-se da locução «com que». A construção completa é a seguinte: «Lembro com que sentimento de encanto folheava o caderno que um vizinho me emprestara, contendo as lições de um quase nada daquela língua que ele aprendera quando seminarista.» (Extraído do prefácio da tradução de Irineu Bicudo de Os Elementos de Euclides.) Para a análise, apenas a primeira oração é importante: «Lembro com que sentimento de encanto folheava o caderno que um vizinho me emprestara.» Minha pergunta é: o que significa exatamente esse «com que» nesse contexto? Como parafrasear essa oração? Seria esse um caso de anástrofe – isto é, uma passagem de «Lembro que, com sentimento de encanto, folheava o caderno que um vizinho me emprestara» para «Lembro com que sentimento de encanto folheava o caderno que um vizinho me emprestara»? Tenho, porém, fortes dúvidas, porque em minhas pesquisas encontrei outro uso de «com que» que não parece decorrer de uma inversão: «Mas, com que sentimento inesperado fui surpreendido pela visão quando cheguei diante dela! Uma impressão total e grandiosa preencheu a minha alma, impressão que eu certamente pude saborear e desfrutar, mas não conhecer e esclarecer, porque consistia em milhares de particularidades harmoniosas entre si.”* (Excerto de Escritos sobre Arte, Johann Wolfgang Goethe, tradução de Marco Aurélio Werle, 2008, 2.ª edição.) Caso seja possível, agradeço se puderem indicar referências sobre essa locução «com que» e seu funcionamento sintático.
Estatal e estadual
Gostaria de saber por que razão vários dicionários em linha (v.g. Priberam, Infopédia, Dicionário da Língua Portuguesa da Academia das Ciências de Lisboa) e até o próprio Ciberdúvidas registam apenas um único significado para a palavra estadual (definindo-a como se referindo a algo relativo a Estado-membro de uma federação, e, por isso, diferente de estatal) quando a mesma palavra encontra uso em legislação portuguesa. Uma pesquisa feita a partir do motor de busca no Diário da República em linha mostra que o seu uso mais antigo, pelo menos segundo o sítio, remonta a 1960, se bem que ela continua a ser usada, podendo ser mencionado, por exemplo, o conceito de «derrama estadual». Qual a origem de estadual relativamente a estatal, e serão então as duas palavras sinónimas? Agradeço desde já.  
Consoantes sibilantes e palatais
Há algum tempo aprendi que, antigamente: 1. z não soava como s intervocálico, isto é, [z]; 2. ç (ou ci/ce) não soava como ss/s inicial, isto é, [s]; 3. ch não soava como soa habitualmente x, isto é, [ʃ]. Depois, lembrei-me de mais um par parecido de consoantes homófonos: 4. d palatal e j, que soam [ʒ]. Também queria perguntar o que se segue sobre este quarto par. A propósito de cada um destes quatro casos de consoantes agora homófonas, queria perguntar: 1. Se estou certo em dizer que antigamente se pronunciavam diferentemente; 2. Quais se acha terem sido os sons delas quando ainda se pronunciavam diferentemente (podem usar o Alfabeto Fonético Internacional na resposta); 3. Quando se acha que deixaram de se diferenciar na pronunciação. Estou interessado no sotaque de Lisboa, pois estou consciente de que terão persistido menos ou mais tempo noutras regiões de Portugal. Enfim, agradecia também se pudessem indicar alguns livros onde poderia ler mais sobre estas e outras parecidas alterações fonológicas da língua portuguesa. Antecipadamente grato pela ajuda prestada.  
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