1. Há 80 anos, quando a II Guerra Mundial alastrava pela Europa, com multidões a fugir da perseguição racista e da ofensiva do III Reich, o cônsul de Portugal em Bordéus, Aristides de Sousa Mendes (1885-1954), desobedecia ao governo português e emitia vistos para cerca de 30 000 refugiados, entre os quais se contavam 10 000 judeus. Foi, na expressão usada pelos seus biógrafos, o "ato de consciência" de Aristides de Sousa Mendes, que, ao contrariar o poder vigente em Portugal, preferiu «estar com Deus contra os homens do que com os homens contra Deus». Justamente para homenagear pela sua coragem o diplomata português, o projeto "Dever de Memória – jovens pelos direitos humanos", do Agrupamento de Escolas de Carregal do Sal, organiza entre 17 e 19 de junho p. f. uma exposição virtual de trabalhos artísticos e literários sob o nome SER Consciência...30/1000 por 1 VIDA. Trata-se de um desafio em linha que conta com a colaboração dos artistas Josefa Reis e Víctor Costa. A vida e obra de Aristides de Sousa Mendes são também evocadas nas páginas da Fundação Aristides de Sousa Mendes, incluindo informação sobre a Casa do Passal, edifício ligado à família do diplomata (mais informação nas Notícias).
Na imagem, um quadro do autor de banda desenhada português José Ruy, que se associou à homenagem aqui referida. Relacionáveis com a Segunda Guerra Mundial e o Holocausto, consultem-se os seguintes artigos e respostas: "Vocabulário de guerra", "As marcas da guerra no léxico do português", "A bomba atómica e o combate científico e da medicina", "Guerra Fria", "Holocausto, uma palavra para não esquecer", "A grafia de holocausto", "Holocausto com aspas", "Judiaria" e "Judia e judaica como adjetivos".
2. Em 2020, à pandemia, somam-se os protestos antirracistas desencadeados pela morte de George Floyd, os quais se exercem frequentemente com fúria sobre as estátuas de figuras históricas do colonialismo europeu. Em Lisboa, foi flagrante o caso da estátua do Padre António Vieira (1608-1697), expoente máximo da oratória barroca em língua portuguesa. Há três anos inaugurada já no meio de grande polémica, a imagem foi desfigurada por pichagens alegadamente antiescravatura. Que nome dar ao ataque a estátuas? São correntes o termos genéricos vandalismo e vandalização; outra opção será o rarissimamente usado iconoclasma, que, não obstante, ocorre num texto muito crítico do acontecimento, do historiador de arte Vítor Serrão (Público, 13/06/2020). Em Espanha, o tema vem sendo erradamente designado como estatuafobia ou estatuofobia – composto formado de estatua e do elemento -fobia, significando «aversão» ou «rejeição» às estátuas, e não «ataque ou «destruição» delas. É o que clarifica, para o castelhano, a Fundação para o Espanhol Urgente (Fundéu BBVA), recomendando, por isso, que se use «ataque a estatua(s)» e «destrucción de estatua(s)». Ou, ainda, o termo iconoclasia ou iconoclastia (isto é, «destruição de estátuas religiosas», sentido alargável às imagens mais profanas). Formas homólogas destas últimas em português são iconoclasia e iconosclastia, o mesmo que iconoclasmo (com a referida variante iconoclasma), definível como «doutrina, prática ou atitude de um iconoclasta», entendendo-se por iconoclasta aquele que destrói imagens religiosas e se opõe ao culto à volta delas ou, de um forma geral, o que destrói qualquer imagem (cf. Dicionário Houaiss). Iconoclasta vem (indiretamente, por via francesa) do grego bizantino eikonoklástes (Dicionário Infopédia), formado por eikṓn, «imagem retrato», e klástes, do verbo kláō, «quebrar, romper, destroçar» (cf. Dicionário Houaiss). Não obstante, uma solução de algum modo recorrente no discurso político e mediático em Portugal é dada pelas perífrases «vandalizar estátuas» e «vandalização de estátuas», que não sendo exemplarmente sintéticas têm de recomendável a força expressiva dos derivados de vândalo.
Apesar de em 1998 José Neves Henriques ter dito aqui que vandalizar «significaria "tornar vândalo"», este verbo é hoje registado também na aceção de «destruir de forma selvagem» (cf. Dicionário Infopédia da Língua Portuguesa, Dicionário Priberam da Língua Portuguesa e Dicionário Houaiss).
3. Quando veremos o fim da pandemia de covid-19 e da crise mundial decorrente? Do levantamento de restrições à ameaça de uma segunda vaga, não para o fluxo de neologismos e palavras reativadas que alimentam o discurso mediático. É o que se assinala no glossário em "A covid-19 na língua" (in O nosso idioma), com seis novas entradas: algoritmo, dexametasona, jornalismo, sem-abrigo e vigilância epidemiológica.
4. No Consultório, há cinco novas respostas. Como escrever em português a palavra alemã Reich? Qual é a regência do nome dissociação? Que significados pode ter a expressão «cair a cabeça aos pés»? E como analisar uma frase construída com a locução «fazer as vezes»? Finalmente, será que a conjunção caso só se usa com o presente do conjuntivo?
5. O que é, afinal, a linguística? Para que serve? A propósito do desconhecimento e da frequente desvalorização do papel dos linguistas, transcreve-se na rubrica O nosso idioma o artigo que a linguista portuguesa Margarita Correia assinou no Diário de Notícias de 16/06/2020.
6. Temas em destaque nos programas* que a Associação Ciberdúvidas da Língua Portuguesa produz para a rádio pública portuguesa:
– No Língua de Todos, transmitido pela RDP África, na sexta-feira, dia 19 de junho, depois do noticiário das 09h00* (com repetição no dia seguinte, às 13h00*), o racismo inscrito em muitas palavras e expressões, comentado pelas linguistas Margarita Correia e Carla Marques, bem como alguns aspetos do funcionamento gramatical do português numa intervenção da professora Sandra Duarte Tavares.
– No Páginas de Português, difundido pela Antena 2, no domingo, 21 de junho, às 12h30 (com repetição no sábado seguinte, dia, 20/06, à 15h30*) – a propósito da vandalização da estátua do padre António Vieira, em Lisboa –, fala-se da sua figura e obra, em conversa com o professor José Eduardo Franco. Mais pormenores aqui.
* Língua de Todos é repetido no sábado, 20/06, depois do noticiário das 09h00; e Páginas de Português, no sábado seguinte, dia 27/06, às 15h30. Hora oficial de Portugal continental – ficando ambos os programas disponíveis posteriormente aqui e aqui, respetivamente.
7. Um registo final para os dez anos sobre a morte do José Saramago, Prémio Nobel da Literatura em 1998, e os 40 sobre a sua primeira obra Levantado do Chão.
Cf. Ler e reler Saramago + Nos 20 anos da atribuição do Prémio Nobel a Saramago + O estilo de Saramago + Saramago, o escritor que brinca com a pontuação + Castelhanismos, a propósito de Saramago + Poema à boca fechada + Uma língua que não se defende, morre + Uma década com Saramago