Com o distanciamento próprio dos verdadeiramente sábios, o Prof. Neves Henriques coloca a questão das aspas do holocausto no seu devido lugar gramatical. Não há nada a acrescentar do ponto de vista linguístico àquilo que ele, com a sua habitual competência, defende.
Já de pontos de vista extralinguísticos, a questão das aspas colocadas pelo general Carlos Azeredo, candidato a presidente da Câmara Municipal do Porto, no seu artigo sobre o ouro nazi, tem muito que se lhe diga. Para mim, querer interpretar estas aspas como «anti-semitismo», «nazismo», «fascismo» e outros disparates semelhantes é uma de três coisas: ignorância, ingenuidade ou má-fé.
A simples leitura do artigo no «Jornal de Notícias» mostra que o general foge aos anátemas que sobre ele lançaram e que jamais poderá ser incluído na nojenta corrente «revisionista» da história da Segunda Guerra Mundial. Nesse artigo, ele condena os crimes dos nazis (que em lado algum nega existirem) e afirma que os judeus conseguiram «grandes conquistas para a humanidade». Como pode ser acusado de «nazi» e «anti-semita» quem assim escreve?
Nunca umas simples aspas deram origem a tantas, e tão convenientes, interpretações. Aliás, assistiu-se em Portugal a mais um «julgamento» jornalístico que em nada dignifica a qualidade deontológica e o prestígio intelectual dos seus autores. Nesses «julgamentos», o procedimento é sempre o mesmo: cria-se o estereótipo e faz-se tudo para que as pessoas nele «encaixem». Um pouco como os anti-semitas fazem aos judeus.
O estereótipo criado é a de um «militarão» de direita, católico, conservador e é nele que os jornalistas «politicamente correctos» portugueses querem «encaixar» o general Azeredo. Muitos, assim como diversos comentaristas respeitáveis, fazem-no por ingenuidade e por medo de desagradar a correntes de opinião supostamente dominantes. Outros ainda, acredito que só tenham lido os excertos mais polémicos do artigo.
O mais grave é que ninguém parece reparar no óbvio aproveitamento político que se está a fazer da questão. Só para se ter uma ideia do que ele implica (especialmente para quem está fora destas ninharias da política portuguesa), basta ver como o actual presidente da Câmara do Porto, Fernando Gomes, que provavelmente se irá recandidatar, respondeu a uma acusação de incumprimento de promessas eleitorais formulada pelo general Azeredo: «Não respondo a esse senhor!» É a arrogância de quem se sente impune perante uma opinião pública que já condenou o adversário «militarão» e «anti-semita».
Voltando ao artigo e a esta querela linguístico-política, não se vê ninguém analisar as aspas utilizadas pelo general Azeredo na outra passagem mais polémica, quando ele refere que os judeus «inventaram» a usura. Aí, ninguém se preocupou em considerar que as aspas atenuavam o significado (como o fazem em relação ao holocausto). Pelo contrário, as aspas até serviram para acentuar o significado...Há maior prova de má-fé e de argumentos linguísticos a servirem objectivos políticos?