1. O tipo de construção em apreço descreve-se como uma frase em que duas expressões nominais ficam ligadas pelo verbo ser: «o professor da turma é aquele homem alto». A este tipo de frase, os estudos gramaticais e linguísticos têm atribuído várias designações: «frases identificacionais», «frases equativas», «frases copulativas», entre outros termos (ver Textos Relacionados). Deixando de lado a questão da identificação rigorosa do sujeito, acontece que o verbo ser concorda em várias situações não com a expressão à esquerda – convencionalmente, o sujeito –, mas, sim, com a expressão nominal que se encontra à sua direita – também por convenção, o predicativo do sujeito. Assim, por exemplo, numa frase como «a maior riqueza do mundo são as crianças», observa-se que o verbo está no plural, a concordar com a expressão «as crianças», e não com a expressão que se encontra à cabeça da frase («a maior riqueza do mundo»), posição habitual do sujeito da frase no português. Este comportamento do verbo ser manifesta-se em três situações (as referências autor/data são as que acompanham as obras mencionadas em nota1):
I – Concordância com o predicativo do sujeito que está no plural
A concordância com a expressão nominal à direita – isto é, com o "predicativo do sujeito" (quer o seja realmente quer não) – ocorre sobretudo no plural, em casos como os seguintes1:
(a) quando o sujeito é realizado pelos demonstrativos invariáveis isto, isso, aquilo bem como pelo pronome indefinido tudo e pelo pronome relativo o que , enquanto o predicativo do sujeito corresponde a um grupo nominal no plural:
«Isto não são conversas para ti, pequena.» (Fernando Namora, O Trigo e o Joio, 12.ª edição, Amadora, Livraria Bertrand, 1974, pág. 196 in Cunha e Cintra 1984)
«O que há de novo nelas são as cores.» (Manuel Bandeira, Andorinha, Andorinha, Rio de Janeiro, José Olympio, 1966, pág. 51 in Cunha e Cintra 1984)
«Tudo na vida são verdades de relação.» (Urbano Tavares Rodrigues, Jornadas na Europa, Lisboa, Edições Europa-América, 1958, pág. 309 in Cunha e Cintra 1984)
N. B.: Há abonações da concordância no singular em Cunha e Cintra 1984.
(b) quando o sujeito é realizado por expressões de sentido coletivo como «o resto» e «o mais», o verbo concorda com o predicativo do sujeito se este estiver no plural:
«O resto são atributos são importância.» (Miguel Torga, Vindimas, Coimbra, 1954, pág. 214 in Cunha e Cintra 1984)
«O mais são casas esparsas.» (Carlos Drummond de Andrade, Contos de Aprendiz, Rio de Janeiro, 1958, pág. 73 in Cunha e Cintra 1984)
(c) quando ser significa «ser constituído por»:
«Santinha eram dois olhos míopes, quatro incisivos claros à flor da boca.» (Manuel Bandeira, Poesia e Prosa, Rio de Janeiro, Aguilar, 1958, pág. 403 in Cunha e Cintra 1984)
«A provisão eram alguns quilos de arroz.» (Bechara 2009, pág. 558)
«O resultado são crianças aterrorizadas diante do olhar perscrutador do tiranossauro.» (Neves 2003)
(d) em frases interrogativas (diretas e indiretas) introduzidas pelos pronomes interrogativos que e quem, o verbo concorda com o predicativo do sujeito se este estiver no plural:
«Que são seis meses?» (Machado de Assis, Obra Completa, I, Rio de Janeiro, Aguilar, 1959, pág. 1041 in Cunha e Cintra 1984)
«Quem teriam sido os primeiros deuses?» (António Sérgio, Obras Completas: Ensaios, Lisboa, Sá da Costa, pág. 245 in Cunha e Cintra 1984)
«Quis saber quem eram meus pais e o que faziam.» (Machado de Assis, Obra Completa, II, Rio de Janeiro, Aguilar, 1959, pág. 567 in Cunha e Cintra 1984)
II – Concordância com o predicativo quando este é um pronome pessoal
«O Estado sou eu.»
«Portugal somos nós.»
III – Concordância com o predicativo que está no singular
Numa frase em que o sujeito é realizado por uma expressão no plural, a concordância faz-se em certos casos no singular, com o predicativo, portanto, com a expressão que está à esquerda. Esta concordância verifica-se quando o sujeito é uma expressão numérica no plural (Neves 2003: 206 considera que se trata da equivalência semântica com constituir):
«Oito anos sempre é alguma coisa.» (Carlos Drummond de Andrade, Contos de Aprendiz, Rio de Janeiro, 1958, pág. 146 in Cunha e Cintra 1984)
«– Dez contos?! Não será demais?» (Almada Negreiros, Nome de Guerra, Lisboa, Editorial Verbo, 1972, pág. 80 in Cunha e Cintra 1984)
2. As frases apresentadas na pergunta distribuem-se pelas três situações referidas, do seguinte modo:
– «O que ela levou foram as romãs» – I (a) ;
– «[...] Esta turma seriam 25 alunos», «muitas vezes, o problema das crianças são os maus exemplos dos pais», «a chave do Totoloto foram os seguintes números», «uma vez não são vezes», «nesse tempo, a população de Portugal eram dois milhões de pessoas», «o direito são as regras que os tribunais aplicam» – I (c);
– «O alvo deles somos nós» – II.
3. Observe-se que o exposto em 1 não constitui uma lista fixa de regras rígidas e indiscutíveis. Tenha-se em conta, por exemplo, que mesmo no contexto da tradição normativa. Vasco Botelho de Amaral (Amaral 1958) salientava o caso de «migalhas é pão» (enquadrável na situação III, embora não se trate de expressão numérica), que aceitava como sequência correta, apesar das mais canónicas «migalhas são pão» e «pão são migalhas».
1 Consultaram-se as seguintes obras de prescrição e descrição gramaticais: Vasco Botelho de Amaral, Grande Dicionário de Dificuldades e Subtilezas do Idioma Português, 1958 (Amaral 1958); Evanildo Bechara, Moderna Gramática Portuguesa, Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 2009, págs. 558-560 (Bechara 2009); Celso Cunha e Lindley Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo, Lisboa, Edições João Sá da Costa, 1984, págs. 501-504 (Cunha e Cintra 1984); Maria Helena Moura das Neves, Guia de Usos do Português, São Paulo, Editora UNESP, 2003, págs. 205-206 (Neves 2003); Paul Teyssier, Manual de Língua Portuguesa, Coimbra, Coimbra Editora, 1989, págs. 245/246 (Teyssier 1989).