A questão que coloca é complexa e tem gerado posições muito díspares entre os linguistas, que aduzem argumentos distintos para sustentar as suas análises. Por esta razão, para proceder a uma reflexão sobre o assunto teremos de mobilizar instrumentos de análise e uma linguagem que irá além dos conteúdos ou da terminologia disponíveis para o ensino não universitário.
Uma das interpretações possíveis pode ser fundada na análise desenvolvida na Gramática do Português (coordenação de Eduardo Paiva Raposo), que aqui seguiremos como ponto de partida.
Antes de mais, é importante determinar que a frase em questão é uma frase de tipo interrogativo, introduzida pelo pronome interrogativo quem. A natureza dos constituintes desta frase particular torna a análise complexa, uma vez que estamos perante dois pronomes associados por um verbo copulativo. Assim, no sentido de procurar determinar as funções sintáticas dos constituintes, partiremos do princípio sintático que nos diz que constituintes que ocupem o mesmo espaço sintático desempenham a mesma função sintática. Seguindo esta ordem de pensamentos, a frase (1) pode ter como resposta a frase (2):
(1) «Quem sou eu?»
(2) «Eu sou o chefe.»
Aceitamos, nesta linha de pensamento, que o constituinte «o chefe» ocupa o mesmo espaço sintático que o pronome interrogativo quem, e, logo, terá a mesma função sintática.
A resposta assinalada em (2) é uma oração copulativa identificadora, que se caracteriza por «identificar um indivíduo como portador de uma propriedade individual» (ibidem, p. 1319) (cf. também aqui). Neste tipo de construções copulativas, considera-se que o sintagma nominal com função de sujeito é referencial, enquanto o sintagma nominal com função de predicado do sujeito apresenta uma propriedade única atribuída ao indivíduo referido no sujeito (ibid.). Acrescenta-se nesta mesma gramática o seguinte: «As orações copulativas identificadoras são muito usadas quando um dos participantes no discurso desconhece a pessoa presente na situação de enunciação, ou que é introduzida no universo do discurso no decorrer da conversação, e pede ao seu interlocutor que lhe dê informações sobre ela» (ibid., pp. 1319-1320).
Acresce ainda que a frase (2) apresenta uma ordem dita canónica, ou seja, o sujeito surge à esquerda do verbo e o predicativo do sujeito à sua direita. De acordo com o que ficou dito, na frase (2), o pronome eu teria a função de sujeito e o constituinte «o chefe» a de predicativo do sujeito.
Todavia, poderemos argumentar que a frase (2) poderia também ter a forma (3):
(3) «O chefe sou eu.»
Esta possibilidade leva-nos a questionar a adequação da análise sintática feita anteriormente. A possibilidade de inverter a frase (2), convertendo-a na frase (3), mostra-nos que poderemos estar perante frases equativas, ou seja, que funcionam em espelho, situação que dificulta a identificação de funções sintáticas, pois importa determinar qual a frase que segue a ordem canónica e a que se encontra na ordem inversa no sentido de identificar as funções sintáticas dos seus constituintes.
Para clarificar a situação, poderemos adotar a proposta de Oliveira (2001) em Frases copulativas com ser – Natureza e estrutura. A autora propõe um conjunto de testes que permite identificar qual a frase que se encontra na ordem canónica (e, consequentemente, identificar as funções sintáticas sujeito e predicativo do sujeito) e a que se encontra na ordem inversa (cf. pp. 112 e ss.). Destacaremos aqui dois desses testes:
(i) teste do foco: nas construções canónicas, o foco prosódico pode incidir à esquerda ou à direita do verbo; nas construções com ordem inversa, o foco prosódico focaliza sempre o elemento à direita do verbo, ou seja, o sujeito:
(4) (a) «O chefe sou eu ou és tu?» - «Eu sou o chefe.»
(b) «Tu és o chefe ou o secretário?» - «Eu sou o chefe.»
(5) (a) «O chefe sou eu ou és tu?» - «O chefe sou eu.»
(b) «Tu és o chefe ou o secretário?» - a resposta natural será «O chefe sou eu.» e não «*O chefe sou eu.»
Nas frases (4), o foco prosódico incide nos elementos ora à esquerda ora à direita do verbo, o que mostra que esta é a frase na ordem canónica. Nas frases (5), ao contrário, o foco prosódico incide sempre no elemento à direita do verbo, o que mostra que as frases estão na ordem inversa.
(ii) teste da clivagem1: nas frases na ordem inversa não é possível clivar o constituinte à esquerda do verbo:
(6) (a) «Sou eu que sou o chefe.»
(b) «*É o chefe que sou eu.»
A impossibilidade de (b) mostra que esta é a frase com ordem inversa.
Perante os testes do foco e da clivagem, percebemos que a frase com a estrutura canónica é «Eu sou o chefe», o que implica que o pronome pessoal eu tem a função de sujeito e «o chefe» de predicativo do sujeito, como já tínhamos concluído anteriormente.
Se estendermos esta análise à frase apresentada pelo consulente, «Quem sou eu?», poderemos afirmar que esta é uma frase com ordem inversa, na qual eu tem a função de sujeito e quem a de predicativo do sujeito.
Relativamente a esta interpretação final, leia-se ainda a Gramática do Português: «o sujeito gramatical nas orações especificativas (i.e., com ordem inversa) continua a ser a expressão referencial, ou seja, o SN pós-verbal. O padrão de concordância que se obtém quando o SN predicativo é de 3.ª pessoa e o SN referencial é um pronome de 1.ª ou 2.ª pessoa parece confirmar esta conclusão:
(i) a. Nós somos os amigos do João. (ordem canónica)
b. Os amigos do João somos nós. (ordem inversa)» (p. 1320, caixa [6])
Não obstante a posição que ficou aqui desenvolvida e que subscrevemos, refira-se que existem outras posições distintas que defendem uma interpretação distinta da que acabámos de apresentar. Uma das análises possíveis encontra-se ilustrada, por exemplo, pela perspetiva de Bechara, na sua Moderna Gramática Portuguesa. Aqui, o autor considera que o pronome quem, em construções copulativas semelhantes à apresentada, ocupa a função de sujeito. O facto de o verbo concordar com o predicativo do sujeito, neste caso, o pronome eu, é descrito, nesta mesma gramática, como uma adequação do verbo à flexão do predicativo, o que pode acontecer quando o sujeito é um dos pronomes interrogativos que, quem, o que (cf. pp. 452-453).
Perante esta diversidade de visões, caberá ao consulente adotar a posição que lhe pareça mais justa e pertinente face ao fenómeno linguístico em apreço.
Disponha sempre!
1. A clivagem é um processo sintático que permite destacar elementos da frase atrás do uso de do verbo ser e do relativo que ou quem, como em «O João é o chefe» - «O João é que é o chefe.»