Transcreve-se aqui (com excepção dos exemplos do primeiro ponto, que foram adaptados ao exemplo da consulente) o que diz a Nova Gramática do Português Contemporâneo, de Celso Cunha e Lindley Cintra, a respeito da colocação dos pronomes átonos:
«1. Em relação ao verbo, o pronome átono pode estar:
a) Enclítico, isto é, depois dele:
Recomendamos-lhe.
b) Proclítico, isto é, antes dele:
Nós lhe recomendamos.
c) Mesoclítico, ou seja, no meio dele, colocação que só é possível com formas do futuro do presente ou do futuro do pretérito:
Recomendar-lhe-emos.
Recomendar-lhe-íamos.
2. Sendo o pronome átono objecto directo ou indirecto do verbo, a sua posição lógica, normal, é a ênclise:
Agarraram-na conseguindo, a muito custo, arrastá-la do quarto.
Na segunda-feira, ao ir ao Morenal, parecera-lhe sentir pelas costas risinhos a escarnecê-la.
Há, porém, casos em que, na língua culta, se evita ou se pode evitar essa colocação, sendo por vezes divergentes neste aspecto a norma portuguesa e a brasileira.
Procuraremos, assim, distinguir os casos de próclise que representam a norma geral do idioma dos que são optativos e, ambos, daqueles em que se observa uma divergência de normas entre as variantes europeia e americana da língua.
Regras gerais:
I Com um só verbo.
1.º) Quando o verbo está no futuro do presente ou no futuro do pretérito, dá-se tão-somente a próclise ou a mesóclise do pronome:
Eu me calarei.
Eu me calaria.
Calar-me-ei.
Calar-me-ia.
2.º) É, ainda, preferida a próclise:
a) Nas orações que contêm uma palavra negativa (não, nunca, jamais, ninguém, nada, etc.) quando entre ela e o verbo não há pausa:
– Não lhes dizia eu?
Nunca o vi tão sereno e obstinado.
– Ninguém me disse que você estava passando mal!
b) Nas orações iniciadas com pronomes e advérbios interrogativos:
Quem me busca a esta hora tardia?
– Por que te assustas de cada vez?
Como a julgariam os pais se conhecessem a vida dela?
c) Nas orações iniciadas por palavras exclamativas, bem como nas orações que exprimem desejo (optativas):
Que o vento te leve os meus recados de saudade.
Que Deus o abençoe!
– Bons olhos o vejam!
d) Nas orações subordinadas desenvolvidas, ainda quando a conjunção esteja oculta:
Quando me deitei, à meia-noite, os preços estavam à altura do pescoço.
– Prefiro que me desdenhem, que me torturem, a que me deixem só.
– Que é que desejas que te mande do Rio?
e) Com o gerúndio regido da preposição em:
Em se ela anuviando, em a não vendo (…)
3.º) Não se dá a ênclise nem a próclise com os particípios. Quando o particípio vem desacompanhado de auxiliar, usa-se sempre a forma oblíqua regida de preposição: Exemplo:
Dada a mim a explicação, saiu.
4.º) Com os infinitivos soltos, mesmo quando modificados por negação, é lícita a próclise ou a ênclise, embora haja acentuada tendência para esta última colocação pronominal:
Canta-me cantigas para me embalar!
Para não fitá-lo, deixei cair os olhos.
A ênclise é mesmo de rigor quando o pronome tem a forma o (principalmente no feminino, a) e o infinitivo vem regido da preposição a:
Se soubesse, não continuaria a lê-lo.
Logo os outros, camponeses e operários, começaram a imitá-la.
5.º) Pode-se dizer que, além dos casos examinados, a língua portuguesa tende à próclise pronominal:
a) quando o verbo vem antecedido de certos advérbios (bem, mal, ainda, já, sempre, só, talvez, etc.) ou expressões adverbiais, e não há pausa que os separe:
Até a voz, dentro em pouco, já me parecia a mesma.
Ao despertar, ainda as encontro lá, sempre se mexendo e discutindo.
Nas pernas me fiava eu.
b) quando a oração, disposta em ordem inversa, se inicia por objecto directo ou predicativo:
– Tiram mais que na ceifa; isso te digo eu.
– A grande notícia te dou agora.
Razoável lhe parecia a solução proposta.
c) quando o sujeito da oração, anteposto ao verbo, contém o numeral ambos ou algum dos pronomes indefinidos (todo, tudo, alguém, outro, qualquer, etc.):
Ambos se sentiam humildes e embaraçados.
Alguém lhe bate nas costas.
d) nas orações alternativas:
– Das duas, uma: ou as faz ela ou as faço eu.
6.º Observe-se por fim que, sempre que houver pausa entre um elemento capaz de provocar próclise e o verbo, pode ocorrer a ênclise:
Pouco depois, detiveram-se de novo.
A ênclise é naturalmente obrigatória quando aquele elemento, contíguo ao verbo, a ele não se refere, como neste exemplo:
– Não, apeio-me aqui.
OBSERVAÇÃO:
Costumam os escritores do idioma, principalmente os portugueses, inserir uma ou mais palavras entre o pronome átono em próclise e o verbo, sendo mais comum a intercalação da negativa não:
Era impossível que lhe não deixasse uma lembrança.
Há tanto tempo que o não via!
II Com uma locução verbal.
1. Nas locuções verbais em que o verbo principal está no infinitivo ou no gerúndio pode dar-se:
1.º) Sempre a ênclise ao infinitivo ou ao gerúndio:
O roupeiro veio interromper-me.
– Que poderá dizer-nos aquele rato de biblioteca?
Nós íamos seguindo; e, em torno, imensa, ia desenrolando-se a paisagem.
2.º) A próclise ao verbo auxiliar, quando ocorrem as condições exigidas para a antecipação do pronome a um só verbo, isto é:
a) quando a locução verbal vem precedida de palavra negativa, e entre elas não há pausa:
Tempo que navegaremos não se pode calcular.
– Ninguém o havia de dizer.
b) nas orações iniciadas por pronomes ou advérbios interrogativos:
– Que mal me havia de fazer?
– Em que lhe posso ser útil, senhor Petra?
c) nas orações iniciadas por palavras exclamativas, bem como nas orações que exprimem desejo (optativas):
Como se vinha trabalhando mal!
Deus nos há-de proteger!
d) nas orações subordinadas desenvolvidas, inclusive quando a conjunção está oculta:
O sufrágio que me vai dar será para mim uma consagração.
3.º) A ênclise ao verbo auxiliar, quando não se verificam essas condições que aconselham a próclise:
Vão-me buscar, sem mastros e sem velas (…)
Ia-me esquecendo dela.
2. Quando o verbo principal está no particípio, o pronome átono não pode vir depois dele. Virá, então, proclítico ou enclítico ao verbo auxiliar, de acordo com as normas expostas para os verbos nas formas simples:
– Tenho-o trazido sempre…
– Arrependa-se do que me disse, e tudo lhe será perdoado.
A colocação dos pronomes átonos no Brasil
A colocação dos pronomes átonos no Brasil, principalmente no colóquio normal, difere da actual colocação portuguesa e encontra, em alguns casos, similar na língua medieval e clássica.
Podem-se considerar como características do português do Brasil e, também, do português falado nas repúblicas africanas:
a) a possibilidade de se iniciarem frases com tais pronomes, especialmente com a forma me:
– Me desculpe se falei demais.
b) a preferência pela próclise nas orações absolutas, principais e coordenadas não iniciadas por palavra que exija ou aconselhe tal colocação:
– Se Vossa Reverendíssima me permite, eu me sento na rede.
– A sua prima Júlia, do Golungo, lhe mandou um cacho de bananas.
c) a próclise ao verbo principal nas locuções verbais:
– Não, não sabes e não posso te dizer mais, já não me ouves.
– Tudo ia se escurecendo.
Justificando esta última colocação, escreve Martinz de Aguiar:
“Numa frase como ele vem-me ver, geral em Portugal, literária no Brasil, o factor lógico deslocou o pronome me do verbo vem, para adjudicá-lo ao verbo ver, por ser ele determinante, objecto directo, do segundo e não do primeiro. Isto é: deixou a língua falada no Brasil de dizer vem-me ver (factor histórico por ser mera continuação do esquema geral português), para dizer vem me-ver, que também vigia na língua, ligando-se o pronome ao verbo que o rege (factor lógico). Esta colocação de tal maneira se estabilizou, que pouco se diz vem ver-me e trouxe consequências imprevistas:
1.ª) Pôde-se juntar o pronome ao particípio procliticamente:
Aqueles haviam se-corrompido.
2.ª) Pode-se pôr o pronome depois dos futuros (do presente e do passado):
Poderá se-reduzir, poderia se-reduzir.
Deixando de ligar-se aos futuros, para unir-se ao infinitivo, deixou igualmente de interpor-se-lhes aos elementos constitutivos.
3.ª) Em frases como vamo-nos encontrar, deixando o pronome de pospor-se à forma verbal pura, para antepor-se à nominal, deixou igualmente de determinar a dissimilação das sílabas parafónicas, podendo-se então dizer vamos nos-encontrar.”»