A particularidade da colocação dos pronomes nas variantes do português do Brasil e das repúblicas africanas tem sido analisada por gramáticos e linguistas, razão pela qual tem sido assinalada como objeto de referência nas suas publicações1.
O estudo sobre «Padrões de colocação dos pronomes clíticos» (in Mira Mateus et alii, Gramática da Língua Portuguesa, Lisboa, Caminho, 2003, pp. 847-867), centrado «apenas na descrição dos padrões de colocação característicos da variedade europeia do português moderno» (idem, p. 847), conclui «que a ênclise é o padrão básico de colocação dos pronomes clíticos na variedade europeia do português moderno» (idem, p. 852), tendo o cuidado de assinalar que «a ênclise é igualmente o padrão que se obtém em muitas frases não finitas [ou de infinitivo], em que o pronome clítico ocorre adjacente, respetivamente, a uma forma de infinitivo não flexionado, de infinitivo flexionado e de gerúndio» (idem), como se pode observar nas seguintes frases:
«O João queria emprestar-lhe o carro.»
«Emprestares-lhe sistematicamente o carro não é educativo.»
«Emprestando-lhe o carro, ele chega a horas ao exame.»
«Ela quis escrever-lhe uma carta.»
No entanto, se nos basearmos na perspetiva dos gramáticos Cunha e Cintra, parece-nos que não há diferenças entre o que está previsto como lícito para Portugal assim como para o Brasil, pois afirmam que, «com os infinitivos soltos, mesmo quando modificados por negação, é lícita a próclise e a ênclise, embora haja acentuada tendência para esta última colocação pronominal» (Nova Gramática do Português Contemporâneo, Lisboa, Sá da Costa, 2001, p. 312), o que se pode verificar pelos exemplos que nos apresentam, da autoria de escritores portugueses e brasileiros:
«Canta-me cantigas para me embalar!» (Guerra Junqueiro, Os Simples, 118)
«Para não fitá-lo, deixei cair os olhos.» (Machado de Assis, Obra Completa, 807)
«Para assustá-lo, os soldados atiravam a esmo.» (Carlos Drummond de Andrade, Contos de Aprendiz, 82)
O único caso em que é assinalado o uso da ênclise como sendo «de rigor [é] quando o pronome tem a forma de o (principalmente no feminino a) e no infinitivo vem regido da preposição a» (idem), de que são exemplo as seguintes citações:
«Se soubesse, não continuaria a lê-lo.» (Rui Barbosa, Réplica, 743)
«Logo os outros, Camponeses e Operários, começaram a imitá-la.» (Bernardo Santareno, A Traição do Padre Martinho, 120)
Relativamente à segunda questão:
A ênclise ao infinitivo parece ser a forma preferível — «Como planeia recompensar-se quando ocorrer a mudança desejada» —, pois a estrutura «recompensar-se» é uma oração subordinada completiva de infinitivo selecionada pelo verbo planear [«Como planeia»] da oração subordinante, onde está integrado o pronome interrogativo como. Portanto, é legítima a colocação enclítica ao infintivo, pois estamos perante uma oração subordinada que, por sua vez, é distinta daquela em que está o atrator de próclise (o pronome interrogativo).
De qualquer modo, e apesar da preferência pela ênclise, não podemos deixar de lembrar que a forma proclítica é, igualmente, legítima.
Assim, a colocação enclítica ou proclítica do pronome se [que tem a função de complemento direto na oração completiva «se recompensar» ou «recompensar-se»] não está dependente do pronome interrogativo como, pois não se trata de um caso de uma «oração iniciada por um pronome interrogativo» (idem, p. 311), em que é preferida a próclise.
1 Sobre este tema, veja-se: Cunha e Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo, Lisboa, Sá da Costa, 2001, pp. 317-318; Pilar Vázquez Cuesta e Maria Albertina Mendes da Luz, Gramática Portuguesa, Madrid, Ed. Gredos, 1961, p. 450; Mira Mateus et al., Gramática da Língua Portuguesa, Lisboa, Caminho, 2003, pp. 45-51). Cunha e Cintra assinalam como uma das particularidades do português do Brasil «a próclise ao verbo principal [no infinitivo, gerúndio ou particípio] nas locuções verbais» (ob. cit., p. 317), como se pode verificar pelos exemplos apresentados:
«Será que o pai não ia se dar ao respeito?» (Autran Dourado, Tempo de Amor, 68)
«Outro teria se metido no meio do povo, teria terminado com aquela miséria, sem sangue.» (José Lins do Rego, Usina, 222)
«Tudo ia se escurecendo.» (José Lins do Rego, Usina, 338)