DÚVIDAS

A colocação dos pronomes

Minhas saudações à mui dileta equipe de Ciberdúvidas. Confesso-lhes que senti falta, e até saudades, de suas atualizações – nesse período de recesso –, dada a assiduidade com que lhes consulto e tamanho contributo que vem prestando, louvavelmente, ao estudo de nossa língua.

Desta vez, gostaria que me auxiliassem nesse exercício de colocação pronominal. Tive algumas dúvidas sobre esse tema.

I. Assinale a alternativa cuja colocação pronominal está incorreta.

(A) Preciso que venhas ver-me.

(B) Procure não desapontá-lo.

(C) O certo é fazê-los sair.

(D) Sempre negaram-se tudo.

(E) As espécies se atraem.

Obs. 1: Tive dúvida na alternativa (B) e (C). Os advérbios não e sempre não são termos atrativos? Isso não levaria a uma próclise?

II. A frase em que a colocação do pronome átono está em desacordo com as normas vigentes no português padrão do Brasil é:

(A) A ferrovia integrar-se-á nos demais sistemas viários.

(B) A ferrovia deveria-se integrar nos demais sistemas viários.

(C) A ferrovia não tem se integrado nos demais sistemas viários.

(D) A ferrovia estaria integrando-se nos demais sistemas viários.

(E) A ferrovia não consegue integrar-se nos demais sistemas viários.

Obs. 2: Suponho que em (B) deveria ser uma mesóclise. Por que o advérbio de negação não não atraiu o pronome se para perto de si em (C) caracterizando uma próclise? Em (E) situação semelhante poderia ocorrer também? Como seria a norma culta nesses casos?

III. A colocação do pronome oblíquo está incorreta em:

(A) Para não aborrecê-lo, tive de sair.

(B) Quando sentiu-se em dificuldade, pediu ajuda.

(C) Não me submeterei aos seus caprichos.

(D) Ele me olhou algum tempo comovido.

(E) Não a vi quando entrou.

Obs. 3: Deveria ocorrer uma próclise em (A) e (B)? Qual a diferença de atração entre o não da alternativa (A) e (C) ou (E)? Em (B) o advérbio quando não seria um termo atrativo que levaria à próclise?

Gostaria, sinceramente, que me esclarecessem sobre esta questão de termos que exercem atração sobre pronomes em frases.

Modernamente, na linguística, ainda continua sendo essa, a atração, a explicação para a colocação pronominal nas construções de nossa língua? Há outras explicações? Poderiam dar-me algumas referências?

Desde já agradeço!

Resposta

No Ciberdúvidas, há muitas respostas sobre colocação de clíticos, tanto numa perspectiva global como na ótica do contraste entre o português do Brasil e o de Portugal (ver Textos Relacionados). Mesmo assim, vou procurar responder, seguindo a ordem de perguntas do consulente:

I. Onde o consulente diz «opção B», deve muito provavelmente ler-se «opção D», porque é esta que apresenta o advérbio sempre. Sendo assim, a resposta é afirmativa: não e sempre são atratores da próclise.

II. Em B, a forma "deveria-se" está incorreta, devendo ser substituída por uma forma em que o pronome se encontra ligado ao auxiliar, em mesóclise, se não for antecedido de um atrator da próclise: «dever-se-ia». Isto não exclui que o pronome esteja ligado ao verbo principal: «deveria integrar-se». A respeito da opção C, são possíveis duas formas: «A ferrovia não se tem integrado nos demais sistemas viários» (português do Brasil e português de Portugal); «A ferrovia não tem se integrado nos demais sistemas viários» (aceitável só no Brasil, segundo Celso Cunha e Lindley Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo, 1984, pág. 317). Quanto a E, são possíveis três formas: «A ferrovia não consegue integrar-se nos demais sistemas viários» (comum às duas variedades); «A ferrovia não consegue se integrar nos demais sistemas viários» (apenas no Brasil, cf. ibidem); «A ferrovia não se consegue integrar nos demais sistemas viários» (colocação mais discutível, por causa do estatuto menos claro de conseguir como auxiliar; cf. Anabela Gonçalves e Teresa da Costa, (Auxiliar a) Compreender os Verbos Auxiliares, Lisboa; Edições Colibri/Associação de Professores de Português, 2002, págs. 83-89).

III. A próclise não é obrigatória em A, por se tratar de um infinitivo (cf. Cunha e Cintra, op. cit, pág. 312), mas é obrigatória em B, porque a conjunção quando é um atrator da próclise. A diferença entre A, por um lado, e C e E, por outro, é simples: reside no facto de A ser um infinitivo, o qual permite tanto a ênclise como a próclise depois de negação («para não aborrecê-lo» ou «para não o aborrecer»; cf. ibidem).

Finalmente, diga-se que, na descrição linguística do português, continua a falar-se de atratores da próclise, como se comprova pela leitura de M.ª Helena Mira Mateus et al., Gramática da Língua Portuguesa (Lisboa, Editorial Caminho, 2003, págs. 853-857), que lhes dão o devido enquadramento teórico. Não conheço outras propostas de explicação para o movimento dos clíticos na frase.

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