DÚVIDAS

A grafia de Perafita

Meu comentário é acerca da palavra perafita.

Presumidamente, até 1990 se escrevia, em Portugal, “pera-fita”, e no Brasil “péra-fita” (para distinguir de pera, preposição, e pêra, fruta), segundo o Acordo Ortográfico de 1945 e o Formulário Ortográfico de 1943. Porém, hoje em dia, não tenho certeza de como se escreve: os dicionários que consultei – o Aulete, a Infopédia, o Priberam e o dicionário da Academia de Ciências de Lisboa registram unanimente perafita, sendo que o verbete não consta nos dicionários Michaelis e Houaiss. O Vocabulário Ortográfico do Português não difere.

Agora – e surge daí uma confusão – no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa da Academia Brasileira de Letras aparece apenas a grafia hifenada pera-fita.

Então, às perguntas: essa palavra perdeu, ou não, o hífen desde 1943? Como? E seria por analogia com “pára”, “pêra”, etc. que o VOLP optou por eliminar o acento na grafia sem hífen? Infelizmente não tenho como acessar vocabulários ortográficos de outros períodos (além do atual e do de 1911) para descobrir mais.

Reconheço que essa pergunta é mais uma tese do que uma pergunta, então sou receptivo a quaisquer comentários, mesmo que não sejam bem respostas.

Obrigado.

Resposta

Os registos atualizados são efetivamente perafita, nome comum, que significa «pedra de grandes dimensões» e «monumento megalítico» (dicionário da Academia das Ciências de Lisboa – ACL), e Perafita, nome próprio e um topónimo que se encontra em Portugal, nos concelhos de Alijó, Matosinhos, Montalegre, Penafiel e Tarouca (cf. José Pedro Machado, Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa, 2003 – DOELP). Conta-se ainda a variante Pedrafita, em Vila Nova de Famalicão (ibidem), e na Galiza é frequente o mesmo topónimo (cf. Nomenclátor de Galicia).

A palavra escreve-se, portanto, sem hífen, pelo menos em Portugal e, pelo menos, pelo que foi aqui possível apurar desde a aplicação da Convenção Ortográfica de 19451. É o que se infere do facto de, no Tratado de Ortografia da Língua Portuguesa (1947, p. 214), que é da autoria de Rebelo Gonçalves e que esclarece numerosos aspetos da aplicação desse documento normativo, se encontrar Perafita entre os compostos onomásticos em que «se desvanece a noção de composição» e , por isso, se faz «a soldagem gráfica dos seus elementos».

Mas importa assinalar duas situações na história da fixação ortográfica de perafita/Perafita/Pedrafita:

– o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa de 1940 (VOLP-1940), da ACL, apresenta duas grafias, pera-fita, com hífen, como registo do nome comum, e Perafita, sem hífen, forma do topónimo;

– o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa da Academia Brasileira de Letras (VOLP-ABL), no qual só se regista o léxico comum, apresenta a forma hifenizada, ou seja pera-fita, mas o Vocabulário Onomástico da Língua Portuguesa (1999), também da ABL, consigna Perafita.

Dado que o Brasil não ratificou a norma de 1945 e optou pelo Formulário de 1943, verifica-se que, quanto ao nome comum perafita, o VOLP-ABL manteve a grafia fixada pelo VOLP-1940.

Resta acrescentar que perafita e Perafita, com as referidas variantes, têm provavelmente origem na expressão latina «petra ficta», «pedra esculpida», em que ficta configura o particípio passado feminino de fingĕre, «modelar; esculpir»(Infopédia). Além de fazer parte da toponímia de Portugal e da Galiza, da  expressão latina surgiram cognatos noutras regiões ib+ericas e até francesas: Piedrahita (Ávila, Castela-Leão), Pierrefite e Peyrefitte (DOELP). Observe-se ainda que pera, variante de pedra, se pronuncia geralmente com e aberto, como ocorrem Perafita, mas também pode ter e fechado em noutros nomes de lugar: Armação de Pera, Castanheira de Pera, Pera Longa, Pera Velha (cf. DOELP).

1 No dicionário de Cândido de Figueiredo, pelo menos em edições mais recentes, também figura como nome comum grafado como uma única palavra gráfica sem hífen: perafita.

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