Em Portugal, estão corretas as duas maneiras de colocar o pronome: «poder amar-te» e «poder-te amar». No Brasil, é corrente colocar o pronome antes do infinitivo sem hífen: «poder te amar». Para melhor contextualização desta resposta, recomenda-se a leitura dos Textos Relacionados que a acompanham nesta página.
O uso do hífen com os verbos auxiliares é um recurso gráfico que decorre do funcionamento dos pronomes átonos em Portugal, o qual tem importantes diferenças quando comparado com os usos e as normas do Brasil.
A possibilidade de associar o pronome ao auxiliar (poder) e não ao verbo principal (amar, com o qual se relaciona semântica e logicamente) deve ser bastante antiga na língua, porque podem recolher-se casos em que o pronome aparece antes do auxiliar, o que sugere que era possível fazer "subir" o pronome átono (também chamado clítico) para junto do verbo auxiliar, como a seguir se atesta com os auxiliares ir ou poder (os pronomes estão sublinhados, e os auxiliares, em itálico):
(1) «E meu irmãão Almançor a Sevylha me foy casar com hûû rey muy poderoso e de muy grande prez. » (Crónica Geral de Espanha de 1344, in Corpus do Português)
(2) «Pera deante me pode derribar anteparando [...].» (D. Duarte, Livro da Ensinança de Bem Cavalgar Toda Sela, c. 1438, ibidem).
Nos exemplos acima, em português medieval, o pronome me aparece antes do verbo auxiliar – foy (foi) em (1), e pode, em (2) –, e não depois do verbo principal (casar, derribar). No português contemporâneo de Portugal, o pronome também pode associar-se ao auxiliar2, antes ou depois: «também me foi casar», «foi-me casar»; «não me pode derribar», «pode-me derribar».
O que importa sublinar é que a associação do pronome ao auxiliar não é uma novidade no conjunto da evolução histórica da colocação pronominal na língua portuguesa. Acresce que, em galego, língua muito próxima do português e que constituía com este um sistema linguístico com certa unidade na Idade Média, também se observam exemplos dessa colocação pronominal.1
Note-se ainda que, no Brasil, dada a tendência para a próclise (colocação pré-verbal do pronome), parece definir-se a regra de o pronome estar sempre ligado ao verbo principal no infinitivo, indo assim ao encontro de critérios de correção que se pautam pela lógica. Daí que, ao contrário do que se faz no português de Portugal, se dispense o hífen, quando o pronome surge entre o auxiliar e o verbo principal, justamente porque o pronome ocorre em próclise ao verbo principal que o seleciona como complemento: «poder te amar».3
1 Ver Rosario Álvarez e Xosé Xove. Gramática da Língua Galega, Editorial Galaxia, 2002, pp. 567-568.
2 Claro está que, no português de Portugal, o pronome átono também aparece frequentemente depois do infinitivo: «foi casar-me», «pode derribar-me». Cf. "Pode dizer-se, ou pode-se dizer?"
3 Ver Celso Cunha e Lindley Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo, Edições João Sá da Costa, 1984, p. 318
N. E. – Título e resposta alterados em 16/10/2022.