1. Há erros indesculpáveis – mas o de confundir consumir com consumar, ainda por cima, numa manchete jornalística, já é a realidade a ultrapassar qualquer ficção. É o caso deste: «esmagadora maioria consume antibióticos» – registado na rubrica Pelourinho, num apontamento de José Mário Costa, que lembra que consume é forma da flexão de consumar, e não de consumir (que é verbo da 3.ª conjugação e se conjuga como subir).
2. Na ordem do dia continua, entretanto, a (falta de) saúde no cenário ameaçador da pandemia de covid-19. Em Portugal, a renovação do estado de emergência por mais 15 dias em Portugal, aprovada no parlamento, traz um conjunto de medidas a anunciar no sábado, 21 de novembro. Multiplicam-se, portanto, as intervenções e declarações orais, acompanhadas de registos escritos, no que vem a constituir um bom corpus do uso da construção redundante «há dias atrás», associação incorreta das formas corretas «há dias» e «dias atrás».
Cf. "Há três anos atrás", "Há anos atrás", "O recorrente 'há anos atrás'" e "Do '... years ago' ao 'há anos "atrás'".
3. No glossário A covid-19 na língua, que o Ciberdúvidas tem estado a desenvolver desde a deflagração da pandemia no mundo, há seis novas entradas bem representativas da incerteza destes tempos que assinalam distintas medidas de prevenção, contenção e tratamento da covid-19: "bolsotrumpistas",«inquéritos epidemiológicos», «números na direção errada», «o pior ainda está para vir», risco e veto. Revistas foram também as entradas relativas aos diferentes tipos de teste que se perfilam: por um lado, os «testes de diagnóstico (da covid-19)» ou «testes (RT-)PCR»; e, por outro, os «testes sorológicos» (ou «serológicos») ou, ainda, «imunoensaios», os quais compreendem os «testes ELISA» e os «testes rápidos».
4. Na vivência coletiva da doença, difícil seria não empregar o verbo tratar, que também levanta uma dúvida que se esclarece no Consultório. Cinco outras perguntas completam a presenta atualização; pode dizer-se «expressou que...»? A frase «lembra-o para regar as flores» estará correta? O nome mandarim tem forma para o género feminino? Em Os Lusíadas, os decassílabos são uniformes? E qual a origem do topónimo Salgadeira, na serra da Estrela?
5. Em O Nosso Idioma, aborda-se a etimologia de uma palavra bem atual – calamidade –, num apontamento do professor João Nogueira da Costa. Nesta mesma rubrica, transcreve-se também uma crónica do escritor Miguel Esteves Cardoso, sobre o problema de tantos portugueses comunicarem escorreitamente no seu dia a dia, mas pessimamente quando falam na televisão (t«in jornal Público de 17/11/2020). E quanto à arte da ironia e as formas que ela toma, disponibiliza-se um artigo do professor brasileiro Roberto Lota, que dedica um comentário a um curioso exemplo achado em As Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis (1839-1908).
6. Uma breve referência a ecos do Brasil, à volta do polémico comunicado que um colégio dirigiu à comunidade escolar, propondo uma linguagem mais neutra,não binária, que prevê a substituição de «queridos alunos» por "querides alunes" (ler Gazeta do Povo, em 11/11/2020, e Jornal de Notícias, em 19/11/2020).
Sobre o debate gerado pela linguagem inclusiva e pelo condicionamento linguístico da construção de género, leiam-se nas páginas do Ciberdúvidas: "'A gramática não tem sexo, não é inclusiva nem exclusiva'", "Car@s leitorxs (e utentas)", "Gramática ainda não tem sexo", "Elas são eles e eles são elas?", "Os cidadãos e a gramática", "As 19 maiores disputas linguísticas de todos os tempos ", "@ entre acentos,géneros e beijos" e "'Machista' e 'heteropatriarcal', a língua portuguesa?».
7. Comemorações, eventos e outras iniciativas de assinalar:
– Em 20 de novembro, comemora-se Dia Universal dos Direitos da Criança, data que se assinala desde 1954 por iniciativa da Organização das Nações Unidas (ONU).
– Na mesma data, integrado no programa de comemorações que a cidade de Santarém dedica ao centenário de Bernardo Santareno (1920-1981), realiza-se às 20h00, no Teatro Sá da Bandeira, o espetáculo A Arder, baseado numa famosa obra do autor homenageado, O Judeu.
– O compromisso da ONU com a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa para disponibilizar materiais pedagógicos em português (notícia aqui).
– Em São Paulo, está patente a exposição Farsa. Língua, Fratura, Ficção: Brasil-Portugal”, no Sesc Pompeia, com trabalhos de mais de 50 artistas do ambos os países e de diferentes gerações — entre eles Ana Hatherly, Ana Maria Maiolino, Grada Kilomba, Lygia Pape e Carla Filipe. Há igualmente uma galeria virtual da exposição, com obras comentadas, depoimentos e entrevistas com artistas. A entrada é gratuita, mas é necessário agendá-la pela página do Sesc.
8. Dois registos ainda: o de uma nova publicação do professor universitário e classicista Frederico Lourenço, que lançou Latim do Zero, para todos aqueles que queiram ir mais longe na consciência da importância estruturante do património latino da língua portuguesa (ver apresentação de Nova Gramática do Latim, do mesmo autor, na Montra de Livros); e o lançamento, também em Portugal, do livro O Cânone, que recolhe 51 ensaios sobre 49 escritores portugueses, apresentados por ordem alfabética – da autoria de António M. Feijó, João R. Figueiredo e Miguel Tamen.
9. Nos programas produzidos pela Associação Ciberdúvidas da Língua Portuguesa para a rádio pública portuguesa, relevo para:
– Os erros mais comuns da língua portuguesa, comentados pela professora e linguista Sandra Duarte Tavares, no Língua de Todos, emitido pela RDP África, na sexta-feira, 20 de novembro, pelas 13h20* (repetido no dia seguinte, depois do noticiário das 09h00*);
– A conferência Como abordar a leitura extensiva, com a participação da professora Ana Sousa Martins, coordenadora da Ciberescola da Língua Portuguesa, numa iniciativa da editora LIDEL, a propósito do papel da leitura no ensino de Português Língua Estrangeira, no Páginas de Português, transmitido pela Antena 2, no domingo, 22 de novembro, pelas 12h30* (com repetição no sábado seguinte, 28 de novembro, às 15h30*), programa que conta ainda com intervenções da professora universitária Edleise Mendes, acerca do tema calão e criatividade, e da professora e linguista Sandra Duarte Tavares, sobre o anglicismo workshop.
* Hora oficial de Portugal continental, ficando os programas Língua de Todos e Páginas de Português disponíveis posteriormente aqui e aqui.