«(...) Se lhes pedirmos para nos dar um exemplo de quem fala bem na televisão, indicam-nos uma cabeça falante que só é capaz de falar no mais vápido jargão. (...)»
Tem-me acontecido falar com pessoas que foram entrevistadas para a televisão. Fico sempre espantado pela facilidade com que falam. Pelos depoimentos que fizeram pareciam-me incapazes de se exprimirem — mas afinal são capazes de dizer o que querem.
O que leva estes portugueses a falar tão mal na televisão? É uma mistura mortífera de insegurança, deferência e pretensiosismo. Querem fazer boa figura. Tendo consciência que estão a falar publicamente, fazem questão de usar as palavras mais caras que conhecem. Como são poucas, não têm alternativa senão repeti-las em combinações ligeiramente diferentes.
Dirão que também é assim que se vestem ao domingo — com os trajos mais deslumbrantes — e que aquelas palavras caras são como cachuchos que se trazem no dedo. Mas já ninguém se veste assim ao domingo. Se engraçam com um artigo de vestuário, não o despem durante toda a semana.
A maldição de fazer boa figura teria graça, se estas pessoas não soubessem comunicar. Mas sabem. E fazem-no bem, com clareza e graça. Não precisam de ser encorajadas. Basta falar com elas. Não é só uma questão de naturalidade. Está certo que se faça um esforço maior, atendendo ao tamanho do auditório: é o que fazem os profissionais de televisão. É uma questão de vergonha. Têm — erradamente, tragicamente — vergonha da maneira como falam.
Se lhes pedirmos para nos dar um exemplo de quem fala bem na televisão, indicam-nos uma cabeça falante que só é capaz de falar no mais vápido jargão. Admiram-no e imitam-no, mas ele invariavelmente fala ainda pior do que eles, porque usa as mesmas palavras caras para esconder o facto de não ter — ao contrário de eles — nada para dizer.
Será que os portugueses só podem ser gravados com proveito quando não sabem?
in jornal Público, de 17 de novembro de 2020, escrita segunda a norm ortográfica de 1945.