Os estudos de toponímia envolvem juízos de atribuição etimológica, os quais nem sempre se podem fazer com toda a certeza, sobretudo quando faltam documentos escritos ou de outro tipo.
As lendas populares ou eruditas a respeito das origens dos topónimos, que são muitos importantes para estudos etnográficos, antropológicos ou filológicos, poucas vezes permitem apurar a história do nome de forma criteriosa e científica. Mas é também verdade que muitas vezes falta a documentação que possibilite o esclarecimento das origens e da história de um nome. É por isso que muitas etimologias se configuram como enunciados hipotéticos, o que pode ser uma grande contrariedade para certas atividades de hoje como as do turismo cujos agentes muitas vezes se precipitam em iniciativas culturais meritórias, que, no entanto, carecem de rigor histórico.
Sem pôr de lado a explicação proposta pelo consulente – a de o topónimo ter origem na conservação da neve por meio da aplicação de sal --, há uma outra possibilidade: a de Salgadeiras fazer alusão à existência de salgueiros no local.
Na Alta Idade Média (portanto, em época anterior à fundação do reino de Portugal), era possível fazer referência a um terreno ocupado por estas árvores como «(terra) salicata», expressão que evoluiu para Salgada. Esta é a hipótese que A. Almeida Fernandes propõe no seu Toponímia Portuguesa. Exame a um Dicionário (Associação para a Defesa da Cultura Arouquense, 1999), no qual este autor contesta que topónimos que exibam a raiz salg- sejam todos interpretáveis pela palavra sal. Sendo assim, Salgadeira pode até ser uma reapropriação mais tardia de salgada, ainda alusiva a salgueiro; com efeito, não será descabida a derivação de salgadeira tendo em mente a descrição de um lugar: «(terra) salgadeira», isto é, terreno onde crescem/existem salgueiros.
O exposto não deve ser tomado como desmentido da hipótese baseada em sal porque tornará necessária mais investigação se houver ainda fontes por explorar – por exemplo, documentos medievais ou mais tardios que descrevam a região e registem os topónimos usados em cada época. Em todo o caso, se se confirma que salgadeira se regista na região da Serra da Estrela como termo designativo de depósitos para conservação da neve destinada às mesas aristocráticas, então a tese apresentada pelo consulente estará historicamente correta.
Quanto a fontes para o estudo da toponímia, diga-se que atualmente se procura reanimar uma área que em tempos teve cultores muito competentes, entre eles, Leite de Vasconcelos, Joaquim da Silveira, Amadeu Ferraz de Carvalho, José Pedro Machado ou A. Almeida Fernandes. De alguns destes autores e de outros, encontra-se muito material na Revista Lusitana e no Boletim de Filologia, que estão disponíveis em linha. Útil é também a Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, que contém muitas notas toponímicas da autoria de A. Almeida Fernandes. Tudo isto é material que não dispensa revisão e uma atualização cuidadosas.
Nos atuais estudos avultam os nomes de Maria Alice Fernandes (toponímia do Algarve na atualidade e na Idade Média), Fraga da Silva (toponímia do Algarve na Antiguidade e na Idade Média), Jorge de Alarcão (tem numerosos estudos sobre toponímia com base nas fontes da Antiguidade), Amílcar Guerra (idem), Manuel Carvalho (estudos sobre a atual toponímia do distrito de Aveiro), Maria Luísa S. M. de Azevedo (toponímia atual e medieval do antigo condado de Coimbra) e Patrícia Carvalhinhos (investigadora brasileira que tem dedicado estudos à toponímia de Portugal).
Espero ter ajudado. Da minha parte, terei muito gosto em retomar este assunto.