Comentário que a deputada Edite Estrela deixou no Facebook (manteve-se o título original), contestando a crónica "Calem-se!", de Miguel Esteves Cardoso.
O meu artigo de opinião no ASD [Ação Socialista Digital] de hoje sobre linguagem inclusiva e onde refiro o interessante texto de Luís Aguiar-Conraria.
ELAS SÃO ELES E ELES SÃO ELAS?
Há dias, Luís Aguiar-Conraria escreveu um interessante texto "Pai e Mãe Nossa que estais no céu" , em resposta a um outro de Miguel Esteves Cardoso titulado com a forma imperativa "Calem-se!". Um tal título tinha de provocar uma resposta à altura da ordem. Foi dada e bem por Aguiar-Conraria que rebate, com argumentação pertinente e bons exemplos, os preconceitos de MEC a propósito do uso do vocativo inclusivo «portuguesas e portugueses».
Esteves Cardoso considera «um erro e um pleonasmo», «uma estupidez, uma piroseira e uma redundância que fede a um machismo ignorante» usar o plural feminino (portuguesas) em simultâneo com o plural masculino (portugueses) por achar que elas, as mulheres, já estão incluídas no masculino. Ou seja, eles incluem-nas a elas, mas o contrário não é aceitável. Se num auditório se encontrarem 50 mulheres e 10 homens e for usada a fórmula de saudação «boa tarde a todos» , estou certa de que não haverá reação. É considerada "normal". Mas o uso da fórmula no feminino será motivo de chacota. A tradicional formulação «minhas senhoras e meus senhores», equivalente a «portuguesas e portugueses» nunca foi posta em causa.
Wittgenstein considera que a linguagem é um espelho do mundo. De facto, a linguagem não é apenas uma forma de comunicação, é uma expressão cultural da sociedade. Por isso, os preconceitos deixam a sua impressão digital na linguagem que, mesmo quando não é percepcionada como tal, pode ser racista, sexista e misógina. A língua portuguesa promove a igualdade? Umas vezes sim, outras vezes não, porque a língua reflete os valores, usos e costumes da sociedade. Promove a desigualdade se usarmos uma linguagem que consagra a ideia do masculino como universal. Promove a igualdade se usarmos uma linguagem inclusiva. Usar uma linguagem que desconstrua a ideia do masculino como universal não é pleonasmo, muito menos erro, é promover a igualdade de género. Aceitar o masculino como universal é não reconhecer às mulheres a condição de sujeitos, deixando-as invisíveis, logo inexistentes.
A história da língua portuguesa pode ajudar a perceber a prevalência das desinências masculinas sobre as femininas. O português foi-se transformando a partir do latim vulgar, que possuía os géneros masculino, feminino e neutro. Os idiomas vindos do latim suprimiram o género neutro, considerando que o género masculino cumpria essa função. Por isso, as línguas latinas como o português, o francês e o italiano dão relevância às desinências masculinas sobre as femininas. Daí advém o que podemos classificar de “machismo” da língua portuguesa, uma vez que a sociedade romana era rigidamente patriarcal (centrada na figura do pater familias). A língua inglesa não faz qualquer distinção de género a partir de maiorias: sejam duas mulheres e um homem, sejam dois homens ou duas mulheres, usa-se sempre o pronome they. Em português, na falta do neutro, usemos uma linguagem inclusiva, falando deles e delas, dos portugueses e das portuguesas.
Razão tinha Almada Negreiros, «as palavras dançam nos olhos das pessoas conforme o palco dos olhos de cada um».
[Sobre esta querela cf. Calem-se! e Pai e Mãe Nossa que estais no céu] + La gramática no tiene sexo, no es incluyente ni excluyente
Texto publicado na página do Facebook de Edite Estrela, no dia 19 de fevereiro de 2016.