1. Com o Euro 2016 a acabar, a França derrota a Alemanha na meia-final, para defrontar a seleção portuguesa na final que se realiza em Saint-Denis, nos arredores Paris, em 10 de julho p.f. É grande a expetativa, mas, fugindo à ansiedade, ocupe-se o espírito com esse outro encontro, secular, entre as duas línguas que mais se ouvirão no estádio. No caso do futebol, se a maioria dos termos entrados no português veio do inglês* – o football é uma invenção inglesa –, há também marcas do francês neste idioleto tão expressivo. Dois exemplos, frequentes no Brasil*, são chance e equipe (este aportuguesado em Portugal como equipa). Noutros domínios, muitas são as palavras de origem francesa (galicismos) que o português integrou desde o século XVIII e que tanta reprovação mereceram da parte dos normativistas dos séculos XIX e XX (Cândido de Figueiredo, Rodrigo de Sá Nogueira, Vasco Botelho de Amaral). Entre as respostas e outros textos que o Ciberdúvidas dedica aos galicismos, sugerimos a leitura dos seguintes: "O galicismo rentrée", "O galicismo etapa", "O galicismo naïf", "Sobre o galicismo 'pôr uma questão'", "Detalhe: horrível galicismo?", "Comprometer, um antigo galicismo", "Chauvista e chauvinismo", "Constatar", "O galicismo nombrilismo", "A grafia do galicismo déjà-vu", "O galicismo griffe", "A palavra pendant (galicismo)", "Linhagem", "Sobre a influência do occitano".** Sobre os galicismos entrados na nossa língua e os estrangeirismos em geral, nunca é demais chamar a atenção para as recomendações que Rodrigues Lapa (1897-1989) deixou na Estilística da Língua Portuguesa, obra publicada em 1945.
* Para uma lista de termos do futebolês no Brasil, consulte-se Vocabulário do Futebol – expressões, gírias e termos. Para termos propriamente franceses e usados só no francês, ver glossário em "O vocabulário do futebol e do torcedor na França!", do sítio O melhor de Paris. Com interesse para a identificação dos galicismos no português do Brasil, refiram-se as páginas eletrónicas O francês no português e Palavras da língua francesa usadas no português brasileiro, bem como a tese de mestrado Dicionário terminológico bilíngüe francês-português de termos jurídicos: tratamento terminográfico e reflexões sobre terminologia bilíngüe.
** Outras curiosidades: Galo, símbolo da França + A razão de o galo gaulês adornar, como símbolo, as camisols da seleção frances + Os primórdios do francês + O pão francês e outros regionalismos gastronómicos da língua portuguesa
2. O encontro, futebolístico e linguístico, sendo o que vai ser no estádio, até podia ter sido com a Alemanha e com a língua alemã. Daí esta outra reflexão que deixamos sugerida. Qual a razão de se empregar frequentemente o adjetivo germânico, em expressões como «espírito germânico» ou «território germânico»? Que significa, afinal, germano e germânico? Aplicam-se estes vocábulos exclusivamente à Alemanha, ou são eles extensíveis a outros países e culturas? E que palavras e expressões de origem alemã mais usamos hoje no no nosso léxico? Em O Nosso Idioma, Filipe Carvalho apresenta uma síntese do que se entende por línguas germânicas e da sua influência no português; e, no Pelourinho, o mesmo consultor sublinha a importância que o trema – também denominado Umlaut em alemão – tem neste e noutros idiomas. Acerca de germanismos e da relação português-alemão, leiam-se: "Leitmotiv", "Kitsch", "Lúmpen", "Lumpemproletariado I", "A história e a pronúncia de bunker (inglês)/búnquer (português)", "Elsa", "Dicionário dos Anglicismos e Germanismos na Língua Portuguesa", "Falar português em Portugal".
3. Ainda na rubrica O Nosso Idioma, deixamos outra sugestão de leitura: a crónica Salvem-nos o inglês! (in jornal Público, 8/07/2016), do jornalista português Nuno Pacheco, ao encontro dos temas do Brexit, do predomínio do inglês na União Europeia e dos anglicismos com tanto livre-trânsito hoje no português – tal como até à primeira metade do século passado acontecia com os galicismos.
4. Mas o desporto não vive só de futebol, e, por isso, cumpre assinalar a medalha de prata que a portuguesa Dulce Félix ganhou na prova dos 10 000 metros nos Campeonatos da Europa de Atletismo que se realizam em Amesterdão, na Holanda. Pena é termos também de registar certo desapontamento com a maneira como, no discurso mediático, se pronuncia o apelido da atleta (há anos fizemos o mesmo reparo): tradicionalmente, deveria soar "féliche" – e não "félicse", como se ouve outra vez. Um erro que é já mudança irreversível? E que dizer da falta do ponto abreviativo seguido de vogal em expoente para representar o numeral ordinal segundo? Insistimos: é 2.º lugar, e nunca «2º lugar». Ou ainda do ponto indevido no numeral 10 000? Sobre o apelido em causa ler Félix; à volta do ponto abreviativo, ver A grafia (diferente) das abreviaturas e dos símbolos; e sobre a grafia dos algarismos superiores às dezenas de milhares, consultar o artigo Sobre a escrita dos números, das horas e de outras representações, de Guilherme de Almeida.
5. «Sabes muito, mas andas a pé» – dizemos nós aos convencidos. Donde virá esta expressão? O consultório procura dar resposta à interrogação. Outra dúvida: se se diz câmara, porque se diz e escreve bicameral?
6. Quanto aos programas produzidos pelo Ciberdúvidas na rádio pública portuguesa, assinalamos que o uso da vírgula é o tema central do Língua de Todos de sexta-feira, 8 de julho (às 13h15*, na RDP África; com repetição no sábado, 9 de julho, depois do noticiário das 9h00*). No Páginas de Português de domingo, 10 de julho (Antena 2, às 12h30*, com repetição no sábado seguinte às 15h30*), está em foco a Base de Dados Terminológica e Textual (BDTT), que resulta da colaboração multidisciplinar entre o núcleo de tradução do Gabinete de Relações Internacionais e Protocolo da Assembleia da República e o Centro de Linguística da Universidade Nova de Lisboa.
* Hora de Portugal continental.
6. Conforme oportunamente já anunciado, o consultório linguístico tem a sua atividade interrompida até ao próximo mês de setembro. Sempre que for caso disso, não deixaremos entretanto de assinalar, mas aqui, o registo da atualidade que diga respeito à língua portuguesa e à entrada de novos conteúdos nas diversas rubricas do Ciberdúvidas. Para assuntos fora do âmbito gramatical e linguístico, ficam os contactos indicados neste endereço.