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Por Ciberdúvidas da Língua Portuguesa

Em Portugal, a atualidade política (e não só) suscita notícias fervilhantes, trazendo ao de cima uma série de tropeções linguísticos nesse discurso mediático. Enumeremos alguns exemplos:

♦ A propósito da visita oficial aos Emirados Árabes Unidos do presidente da República Portuguesa Aníbal Cavaco Silva, raros foram os media nacionais a escapar ao incorreto "emiratos".

♦ De igual modo continua a ouvir dizer-se mal o acrónimo ONU no audiovisual português – como se fosse uma palavra grave ("ÓNU"), quando ela é aguda. Logo:/ONÚ/.

♦ Relativamente à prisão preventiva de José Sócrates, antigo primeiro-ministro português (2005-2011), fala-se indistintamente de «preso político» e «político preso»: para o caso, a expressão mais adequada é a de «político preso», porque não são políticos os alegados crimes de que Sócrates é acusado.

♦ Regressa a velha confusão de «a moral» com «o moral»: também o ex- PR Mário Soares não lhe escapou, quando, após uma deslocação ao Estabelecimento Prisional de Évora para visitar Sócrates, declarou tê-lo encontrado «com "uma" excelente moral» (deveria ter usado moral no masculino, «o moral»).

♦ Os plurais também sofrem no meio do turbilhão político: no XX Congresso do Partido Socialista, o novo secretário-geral, António Costa, abre indevidamente o o tónico de do plural acordos (deve pronunciar-se "acôrdos");

♦ Finalmente, uma recaída: na rádio e televisão, o adjetivo gratuito volta ser articulado incorretamente como "gratuíto" ("u-í"). Repetimos: a palavra pronuncia-se com o ditongo ui.

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 Em português, é extensa a lista de expressões idiomáticas com usos metafóricos da palavra pedra. Basta lembrar «andar com uma pedra no sapato», que significa «andar desconfiado, ressentido», ou «pôr uma pedra sobre alguma coisa», equivalente a «encerrar um assunto» (cf. António Nogueira Santos, Novos Dicionários de Expressões Idiomáticas – Português, Lisboa, Edições João Sá da Costa, 1988). Esta aptidão metafórica do vocábulo não constitui uma especificidade da língua portuguesa, porque outros idiomas metaforizam com palavras de sentido semelhante. Por exemplo, quem diria que escrúpulo, do latim scrupulum, começou por querer apenas dizer «pedrinha, seixinho» (Dicionário Houaiss)? Justamente sobre escrúpulo, a rubrica O Nosso Idioma disponibiliza mais uma crónica do jornalista Wilton Fonseca, que revela como a história das palavras permite entender a atualidade por elas referida. E a propósito das designações dadas às pedras, assim como acerca da universalidade do seu emprego metafórico, escutemos – em português e em tradução noutras línguas – o célebre poema "No meio do caminho", de Carlos Drummond de Andrade (1902-1987).

 

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Canto polifónico de fortes tradições na cultura popular da maior região de Portugal, o cante alentejano foi inscrito como Património Imaterial da Humanidade – em decisão anunciada neste dia pela UNESCO, em Paris, qualificando-o de «exemplar». Além do cante alentejano (vídeo ilustrativo a seguir) – cuja proposta remonta a Março de 2012 –, a 9.ª sessão do Comité Intergovernamental da UNESCO para a Salvaguarda do Património Cultural Imaterial da Humanidade, reunida na capital francesa, contemplou também a dança e luta de raiz afro-brasileira roda de capoeira, entre 46 candidaturas etnoculturais de todo o mundo.

Em 2011 fora já o fado a beneficiar do mesmo reconhecimento.

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Em Portugal, a comemoração dos 800 anos do testamento de D. Afonso II continua a motivar várias iniciativas, entre as quais se conta o ciclo de conferências A Língua em Viagem – Celebrar os 8 Séculos da Língua Portuguesa e os 400 Anos da Peregrinação de Fernão Mendes Pinto, cuja primeira parte se realizou nos dias 21 e 22 de novembro p.p., no Convento dos Capuchos, no concelho de Almada. Associando outra comemoração, a dos 400 anos da publicação da Peregrinação, de Fernão Mendes Pinto, estes encontros concebem metaforicamente a língua como viagem para «potenciar experiências e reflexões, melhorar práticas e metodologias de ensino e aprendizagem da língua e cultura portuguesa, numa dimensão de respeito pela diversidade linguística e cultura» (ver programa aqui). Faça-se uma referência especial à intervenção do escritor e jornalista Fernando Dacosta, que, sob o título A Língua da Nossa Sobrevivência, salientou o contributo de Agostinho da Silva (1906-1994) para a teorização do papel político-cultural do português à escala mundial.

Acerca do rico e gigantesco património que esta língua viajante detém na atualidade, vem a propósito um vídeo do jornal Observador, que procura descrever em dois minutos o que é obra de séculos:

 

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Estava-se na véspera das comemorações dos 39 anos da independência de Angola, com a efeméride assim evocada na rádio nacional: «Assinala-se amanhã o dia da dipanda». Deste termo específico do quimbundo, com origem precisamente na palavra portuguesa «independência», trata a crónica do jornalista Edno Pimentel, transcrita do semanário luandense "Nova Gazeta". Do mesmo jornal, vale a pena ler também o trabalho assinado pelo jornalista Onélio Santiago sobre o ensino das línguas nacionais de Angola, abrangendo já mais de 100 mil alunos da 1.ª classe de escolaridade de nove províncias. Propósito explícito deste projeto: «Todo o angolano deverá ser bilingue, com capacidade de usar corretamente uma língua nacional e a oficial, que é o português».

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Apesar de observarmos que todas as línguas mudam – sim, mesmo a portuguesa –, muitos de nós creem que a mudança é um mal. Será, então, o uso de palavras estrangeiras, por exemplo, uma prática sem perdão? E deverá ou poderá o lexicógrafo desconhecer e recusar toda a inovação? São estas algumas das questões que a linguista e professora universitária portuguesa Isabel Casanova levanta num texto disponibilizado na rubrica O Nosso Idioma e apresentado pela autora na cerimónia que, em 15/10/2014, na Biblioteca Nacional de Portugal (BNP), assinalou o 1.º centenário do nascimento do filólogo e dicionarista português José Pedro Machado (1914-2005).* No consultório, enfrentando a realidade linguística, ajudamos quem nos procura a distinguir os pares lexicais completo/completado e dileto/predileto, a avaliar a boa formação de um composto e a definir uma família de palavras.

* Esta homenagem integra uma mostra que está patente ao público, em Lisboa, na BNP, até 31/11/2014.

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A globalização é sobretudo feita em inglês (até agora, quis a História que fosse assim) e gera muitas vezes a crença segundo a qual a cultura hegemónica associada equivale a um modelo universal de pensamento e comunicação. O confronto com outras línguas, incluindo a portuguesa, mostra, porém, que existem princípios e formulações alternativas na interação linguística. Ao encontro deste tema, a rubrica O Nosso Idioma divulga uma crónica da autoria do escritor português Miguel Esteves Cardoso, acerca de um exemplo da fraseologia lusitana: «Não! Chama-lhe parvo/parva!» Não contestando a diversidade e a criatividade linguísticas, a linguista Margarita Correia leva ao Pelourinho um caso de desadequação semântica e referencial no discurso jornalístico, decorrente da pressa e do imperativo de escrever um título curto. Ainda na perspetiva da comunicação, comenta-se a frase «há muito tempo que não te via» numa nova resposta do consultório, onde outros tópicos têm igualmente discussão: a história do verbo querer, a aceitabilidade do neologismo espetacularizar, a formação da palavra carrega, o significado do substantivo escambau e o uso de maiúscula no pronome relativo «o qual».

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A rubrica Nosso Idioma divulga uma crónica, saída no jornal i, em que Wilton Fonseca surpreende no discurso político português um caso de sintaxe com duplo sentido, capaz de afetar a interpretação da expressão idiomática «lavar as mãos». Fugindo à ambiguidade e aos mal-entendidos, o consultório propõe distinguir cognome de epíteto e definir a função sintática de bem em «fazer bem a alguém». Outros tópicos abordados nas novas respostas: o topónimo Fundão, o aumentativo corpanzil, a expressão «andar à lebre», o etnónimo caingangue e a construção «nada de importante».

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Duas novas entradas na rubrica Montra de Livros ficam a ilustrar a língua no seu duplo registo, o da teoria e da sua aplicação prática, e o da fala popular:

• A Língua Portuguesa (Teoria. Aplicação e Investigação), obra que acaba de ser lançada, reunindo alguns dos mais importantes artigos escritos pela linguista portuguesa Maria Helena Mira Mateus, consagrados ao estudo das línguas e à apresentação de resultados da investigação sobre questões particulares do português.

• A Medicina na Voz do Povo – livro que já leva alguns anos de publicação (2007), a partir de uma sugestiva recolha aí compilada pelo otorrinolaringologista português Carlos Barreira da Costa de trinta anos de histórias, crenças e dizeres populares que foi ouvindo, e registando, nas suas consultas de médico.

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Em Portugal, um surto da doença do legionário (ou «doença dos legionários» ou, ainda, legionelose) na região de Lisboa, mais precisamente em Vila Franca de Xira, trouxe para a atualidade a grafia da Legionella pneumophila. Na página da Direção-Geral de Saúde, a informação disponível explica que a doença é «causada por bactérias do género Legionella», nome de configuração latina, como acontece na elaboração de terminologias científicas, sobretudo nas taxonomias da Biologia.  

Por seu lado, os meios de informação portugueses têm-se referido à bactéria pelo género a que pertence na taxonomia, Legionella, ou pela sua espécie, Legionella pneumophilla (na imagem, à direita)1, nem sempre em itálico como deveriam, de modo a assinalá-las como palavras não portuguesas; outras vezes, ocorre o itálico, mas o termo que designa o género (Legionella) aparece com minúscula inicial, ao contrário do que é usual nos nomes científicos (táxones).

Ora, a palavra tem, há muito, feição portuguesa: legionela — tal como o registam o Dicionário Priberam da Língua Portuguesa, o Dicionário de Termos Médicos da Infopédia, o Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora (igualmente disponível na Infopédia) e o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Nestas duas últimas fontes, salienta-se que os termos «doença dos legionários» e Legionella/legionela têm origem em criações da língua inglesa, alusivas ao facto de a afeção em causa ter sido diagnosticada pela primeira vez em membros da American Legion («Legião Americana»), na sequência de um encontro realizado em junho de 1976, na cidade norte-americana de Filadélfia. O termo Legionella refere precisamente os protagonistas dessa situação, porque deriva do latim legio, legionis, ou seja, «legião».

O termo Legionella (termo científico) pode, portanto, ser substituído por legionela em textos que não requeiram o mesmo grau de especialização que um artigo científico.

1 Estes nomes científicos fazem parte das "Approved Lists of Bacterial Names", publicadas em janeiro de 1980, no International Journal of Systematic and Evolutionary Microbiology, publicação oficial para registo dos nomes de bactérias definidos pelo International Committee on Systematics of Prokaryotes (ICSP). Acerca de nomes para outros reinos na perspetiva taxonómica, ler a resposta Nomes científicos dos animais, de Gonçalo Neves.