Antes de mais, e para responder já à primeira parte da sua pergunta, importa saber que essa ambiguidade não existe com todas as conjunções causais. Uma forma de a evitar, portanto, é escolher outra conjunção.
Na frase que nos apresenta, a segunda interpretação é forçada pelo conteúdo das duas orações e pelo nosso conhecimento do mundo. Na verdade, a ambiguidade que existe é ligeiramente diferente, como podemos ver se alterarmos o exemplo de forma a que não haja a associação imediata entre «estar doente» e «não ir às aulas»:
1 – «Ele não foi à aula porque queria ver a namorada.»
As duas leituras possíveis têm que ver com a oração em que a negação é interpretada – a oração principal, ou a oração subordinada (a causa da situação descrita pela principal):
1’ – «Ele não foi, de facto, à aula, e a razão de não ter ido foi querer ver a namorada.»
1’’ – «Ele foi à aula, não porque queria ver a namorada, mas porque queria tirar dúvidas para o teste (por exemplo; neste caso, infere-se que a namorada é colega do sujeito).»
Como referido, algumas conjunções permitem o acesso da negação à oração subordinada, outras não. Assim, vejamos:
2 – «Ele não foi à aula, uma vez que queria ver a namorada.»
Enquanto a frase em 1 pode ter a interpretação que aponta, na frase 2, só a leitura em que a negação incide na oração principal é possível:
2’ – «Ele não foi, de facto, à aula, e a razão de não ter ido foi querer ver a namorada.»
2’’ – *«Ele foi à aula, não uma vez que que queria ver a namorada, mas uma vez que queria tirar dúvidas para o teste.»
Como exemplos de conjunções de valor causal que bloqueiam o acesso da negação à oração subordinada, temos uma vez que, dado que, visto que, já que e como. Já porque e por + infinitivo conduzem a frases ambíguas.
Outra forma possível de evitar a ambiguidade é antepor a oração subordinada à principal:
3 – Porque queria ver a namorada, ele não foi à aula.
Respondendo à segunda parte da sua questão, não creio que se adeque a classificação como oração explicativa, por duas razões.
A Gramática do Português, da Fundação Calouste Gulbenkian, no capítulo 38, faz uma distinção clara entre orações causais e orações explicativas que assenta no tipo de objeto para o qual se está a dar uma justificação: nas orações causais, apresenta-se uma causa ou uma motivação para a situação descrita na oração principal; nas orações explicativas, a justificação incide no próprio ato de enunciação:
4 – «Cancelaram o piquenique porque estava a chover» (causal).
5 – «A Ana já deve estar a dormir, pois as luzes estão todas apagadas» (explicativa).
Nesta última frase, a oração explicativa justifica a inferência do falante (o falante acha que a Ana já deve estar a dormir, e chega a essa conclusão por ver as luzes todas apagadas).
Assim, enquanto na tradição gramatical a distinção entre causais e explicativas assenta em propriedades sintáticas, pertencendo as primeiras ao grupo das orações subordinadas adverbiais e as segundas ao grupo das coordenadas, gerando-se alguma confusão na tentativa de identificação de umas e de outras quando a conjunção é porque, nesta obra a distinção baseia-se em propriedades semântico-discursivas. Do ponto de vista sintático, quer as causais quer as explicativas podem ser subordinadas ou coordenadas.
Acresce que as orações explicativas, nesta perspetiva, não permitem a interpretação da negação dentro da oração secundária (coordenada ou subordinada), mesmo que a conjunção seja porque:
6 – «A Ana não está a dormir, porque as luzes estão acesas.»
6’ – *«A Ana está a dormir, não porque as luzes estão acesas, mas porque eu a oiço a ressonar.»
Por outro lado, não é apenas com orações subordinadas causais que a negação da oração principal gera ambiguidade de interpretação. Também com subordinadas condicionais, finais e temporais acontece o mesmo. Na Gramática do Português, da Fundação Calouste Gulbenkian (Vol. II, p. 2033), são descritos os seguintes exemplos:
7 – «Eu não deixava de trabalhar se ganhasse a lotaria.»
8 – «O Rui não estava a poupar para poder ir de férias para o estrangeiro.»
9 – «Eu não me assustei quando ouvi o estrondo.»
Nestas frases, é possível a leitura em que a negação tem acesso à oração subordinada, tal como no exemplo apresentado na sua questão.
7’ – «Eu não deixava, de facto, de trabalhar, na condição de que ganhasse a lotaria.»
7’’ – «Eu deixava de trabalhar, não se ganhasse a lotaria, mas noutra condição.»
8’ – «O Rui não estava, de facto, a poupar, e gastava o que tinha para poder ir de férias para o estrangeiro (por exemplo, comprou uma passagem de avião caríssima, já gastou imenso dinheiro nos equipamentos necessários, etc.).»
8’’ – «O Rui estava a poupar, não para poder ir de férias para o estrangeiro, mas, sim, para poder comprar a casa dos seus sonhos.»
9’ – «Eu não me assustei, de facto, na altura em que ouvi o estrondo.»
9’’ – «Eu assustei-me, não quando ouvi o estrondo, mas, sim, quando me caiu o teto em cima.»
Mais uma vez, a ambiguidade não ocorre com todas as conjunções condicionais ou finais (mas parece ocorrer com todas as temporais), nem em todos os subtipos destas subordinadas. Na obra citada, apresentam-se os exemplos abaixo, que só aceitam a interpretação da negação na oração principal:
10 – «O João não fará o exame, contanto que tenha nota positiva na frequência.»
11 – «Não aprecio chocolates, para ser sincero.»
Nas conjunções ou locuções conjuncionais de tipo condicional, desde que, contanto que, a não ser que e a menos que só permitem uma interpretação, enquanto caso gera sempre ambiguidade (quando a subordinada ocorre depois da principal). Nas finais, a locução a fim de (que) permite sempre duas interpretações. As conjunções se e para têm um comportamento idêntico ao descrito acima para porque: se se tratar de orações subordinadas condicionais ou finais de enunciação (como as explicativas), só há uma interpretação possível; nos outros casos, há ambiguidade. Em 12 apresenta-se uma oração condicional de enunciação, e em 13, uma oração final de enunciação:
12 – «Não faças o trabalho, se és tão esperto!»
13 – «O António não foi promovido, para que saibas…»
A grande diferença entre as orações (e respetivas conjunções) que permitem as duas leituras e as que só aceitam uma interpretação tem que ver com uma propriedade sintática. Atualmente, nas orações subordinadas, distinguem-se orações integradas e orações periféricas, em função de existir maior ou menor dependência da subordinada em relação à principal, respetivamente. Apenas nas orações integradas a negação pode incidir na subordinada. As orações temporais são sempre integradas, por isso há sempre ambiguidade, ao passo que as orações concessivas, por exemplo, são sempre periféricas, havendo apenas uma leitura.
Quando se antepõe uma oração subordinada integrada, destrói-se a ligação forte entre subordinada e principal, e, por essa razão, a negação deixa de ter acesso à subordinada (que passa a comportar-se como periférica).
Leituras recomendadas:
Maria Lobo, 2003, Aspectos da Sintaxe das Orações Subordinadas Adverbiais do Português, dissertação de doutoramento, Universidade de Lisboa.
Maria Lobo, 2013, «Subordinação adverbial», in Eduardo Paiva Raposo et al. (orgs.), Gramática do Português, Fundação Calouste Gulbenkian, cap. 38, 1879-2057.