1. Do ponto de vista genético, o mirandês não faz parte do mesmo sistema linguístico histórico que o português: os dialectos mirandeses fazem parte do sistema dialectal asturo-leonês, e o português-padrão e normativo pertence ao sistema dialectal galego-português.
2. Não há um dialecto açoriano mas vários, em função das ilhas existentes e de certa variação numa mesma ilha (por exemplo, São Miguel, que é a mais extensa). Na Madeira, a variação não será tão ampla, e por isso se fala no dialecto ou falar madeirense. Ora bem, considera-se que estes dialectos constituem parte do sistema dialectal galego-português, aceitando os falantes dos mesmos que a variedade que usam é uma fracção desse conjunto, que em Portugal tem expressão institucional mediante uma norma transregional, usada na administração do país. Para serem línguas, teriam de atravessar um processo de autonomia pelo qual as comunidades que os usam reivindicariam uma diferenciação com expressão institucional. De certo modo, foi este o processo do mirandês: no dealbar do século XX, Leite de Vasconcellos revelou à comunidade científica a existência de uma série de falares de origem leonesa na Terra de Miranda; esses dialectos tinham características gramaticais e lexicais comuns que contrastavam quer com os dialectos portugueses transmontanos quer com a norma portuguesa; a estreita afinidade dos dialectos mirandeses levou a falar-se em mirandês em geral; os habitantes da Terra de Miranda começaram a valorizar o mirandês como traço da sua identidade; e o processo culminou no reconhecimento do mirandês como língua oficial regional, com os seus próprios instrumentos de regulação (por exemplo, uma ortografia).
É por isso que dizemos que o mirandês é uma língua. Pelo contrário, os dialectos açorianos e os madeirenses não correspondem a línguas diferenciadas do português europeu ou do português em geral, pelo menos, por enquanto. Mas, a verificar-se tal processo, teríamos de pensar na autonomia de outros dialectos no território português, já no continente, para não falar de Brasil, Angola, Moçambique. Pela descontinuidade geográfica, temos tendência a pensar que os falares dos Açores e da Madeira são candidatos a constituírem línguas independentes. No entanto, que dizer dos dialectos do Noroeste de Portugal ou de Castelo Branco-Portalegre ou do Barlavento algarvio, havendo factores extralinguísticos favoráveis (regionalização da administração, por exemplo)? Em suma, muitas vezes a diferença entre dialecto e língua pode decorrer, no caso da última, do desejo de uma comunidade ter, além de dialecto próprio, «uma marinha e um exército», para retomar uma velha máxima.1
1 Faço alusão a uma frase que o linguista Max Weinrich (1893/1894-1969) tornou famosa: «Uma língua é um dialecto com um exército e uma marinha.» Ou seja, a ascensão ao estatuto de língua vai frequentemente a par do processo de independência política de uma comunidade.