1. Para incredulidade de muitos, a palavra guerra "normaliza-se"* nas notícias a respeito da crise da Ucrânia, sinistramente evocativas das vésperas da Primeira ou da Segunda Guerras Mundiais. O presidente ucraniano sugere até que o ataque russo está agendado: será na quarta-feira, 16 de fevereiro. A sensação de absurdo e negatividade do ambiente europeu adensa, portanto, a grave crise mundial causada pela covid-19 e por grande turbulência social, a que agora se associam os protestos dos chamados «comboio(s) da liberdade» no Canadá, em França ou na Bélgica. Mesmo assim, em Portugal um ténue sinal de esperança parece vir da descida do índice de transmissibilidade do SARS-CoV-2 – diz-se mesmo que caiu «a pique» –, e a Direção-Geral de Saúde apela ao «reforço vacinal». Entretanto, a identificação da proteína N promete uma vacinação «eficaz e duradoura». As quatro expressões sublinhadas constituem, nesta atualização, as novas entradas da rubrica A covid-19 na língua.
* Sobre a origem de guerra, leia-se a publicação do tradutor e professor universitário Marco Neves em Certas Palavras em 14 de fevereiro de 2022. Sobre normalizar, é verbo que se tornou recorrente num sentido parafraseável como «aceitar ou referir de forma acrítica e anódina comportamentos sociais ou políticos inaceitáveis». Na imagem, de Meneses Ferreira, “Noite de S. O. S.”, João Ninguém, soldado da Grande Guerra. Impressões humorísticas do C. E. P., Lisboa, 1921 (fonte: Carlos Silveira, "A Arte em tempo de Guerra", A Guerra de 1914-1918).
2. O verbo imprimir tem dois particípios passados, ocorrendo a forma regular (imprimido) em tempos compostos («tinha imprimido») e a forma irregular (impresso) na voz passiva («foi impresso»). Mas não é verdade que se diz «foi imprimida grande dinâmica ao processo»? Será este uso incorreto? A resposta inclui-se no Consultório, num conjunto de questões que também abordam a sintaxe de verbos (evadir e alargar) e topónimos (denominações de arruamentos e edifícios), os valores semânticos associados às orações (por exemplo, introduzidas por «mesmo quando» ou «ainda quando») e a opção entre variantes («até acima» vs. «até cima»).
3. O princípio de objetividade e isenção da linguagem mediática tem sido comprometido pela proliferação de conteúdos desinformativos e manipuladores. No Ciberdúvidas, transcrevem-se, com a devida vénia, duas crónicas da linguista Margarita Correia centradas neste tema: a primeira (Diário de Notícias, 7 de fevereiro de 2022) fica disponível em O Nosso Idioma e diz respeito a uma suposta intenção de substituir a palavra mãe por «pessoa lactante»; e a segunda (ibidem, 14 de fevereiro de 2022) inclui-se na rubrica Ensino e nela a autora critica a forma como, em Portugal, certo título noticioso deturpou o sentido de um relatório do Conselho Nacional de Educação.
4. Ainda em Portugal, acredita-se frequentemente que o país é linguisticamente muito uniforme. O retrato que o portal Ethnologue faz (com algumas incorreções, reconheça-se) não pode ser mais contrário a esta visão, conforme explicou o professor Marco Neves num apontamento publicado no Sapo 24, em 23 de maio de 2021 e no qual discutiu igualmente o valor que têm as línguas quando comparadas (ver Diversidades).
5. Há cem anos, a Semana de Arte Moderna, que decorreu em São Paulo entre 11 e 18 de fevereiro de 1922, revelava um Brasil moderno e artisticamente intrépido, pronto a ultrapassar limites, mesmo que tal implicasse pôr em causa convenções, como as do modelo de língua literária oitocentista. A efeméride tem, naturalmente, sido assinalada com vários eventos no Brasil, mas Portugal também não fica alheio ao aniversário. Registe-se, por exemplo, o colóquio sobre o Modernismo brasileiro realizado na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, em 15 de fevereiro de 2022, das 14h30 às 19h30.