1. A 20 de março, tem início, no hemisfério norte, a primavera, uma estação que se prolonga até 21 de junho e à qual se dão hoje as boas-vindas (evocando a dúvida frequente: «dá-se ou dão-se as boas-vindas?»). A palavra primavera, que se passou a grafar com minúscula após o Acordo Ortográfico de 1990, teve origem na expressão do latim tardio prima vera (ver José Pedro Machado, Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa), que se referia ao início da estação («a primeira estação») que antigamente se designava verão (recorde-se a etimologia dos nomes das estações aqui e aqui).
[Primeira imagem: A primavera (fresco), Museu Nacional Arqueológico de Nápoles]
2. Algumas datas motivam textos e eventos:
— O Dia do Pai, comemorado a 19 de março em Portugal, foi celebrado por Marco Neves, professor e tradutor, com um artigo que leva o leitor numa viagem à origem da palavra pai (crónica publicada originalmente no blogue Certas palavras);
(A propósito, recordamos aqui algumas respostas do Consultório: "Pai, merónimo de família", "Padre", "O aumentativo e o diminutivo de pai" e "Maiúscula inicial em mãe e pai".
— Nesta data, 20 de março, assinala-se o Dia Internacional da Francofonia. As relações de proximidade entre a língua francesa e a língua portuguesa têm já uma longa história, motivada por variadíssimas razões de ordem política, social ou cultural, que contribuíram inequivocamente para o enriquecimento lexical do português (como bem se recordou neste apontamento). Por esta razão, são inúmeros os galicismos na língua portuguesa que foram de tal modo absorvidos que os falantes deixaram de os considerar estrangeirismos. Desta realidade temos dado conta em diversas respostas que trataram vocábulos como comprometer, detalhe, abajur, nombrilismo, etapa ou guepardo. De igual modo, temos abordado vocábulos que foram introduzidos no português para os quais não é difícil encontrar um equivalente: recordamos os casos de réchampir ou démarche. Algumas propostas de tradução têm passado também pelo consultório: «Maudit soit qui mal y pense» ou «Parti pris». E ainda os casos particulares de naïf, déjà-vu e fétiche.
3. No Consultório, ficam em linha seis novas respostas que se centram na diferença entre prossecução e persecução, na inexistência do vocábulo "chinfrineira" e no uso de «pagar-se de». Respostas ainda abordando o valor modal de uma frase iniciada pelo advérbio talvez, a colocação do advérbio já na frase e a correção da expressão «fazer mais mal a alguém».
4. Na crónica intitulada "Erros de português e outras guerras", o tradutor e professor universitário Marco Neves aborda duas questões: as línguas ficcionais, inventadas por exemplo pelo escritor J.R.R. Tolkien ou pelo linguista David J. Peterson, e os erros que o não são, como as construções «ter pagado» ou «dever de» (texto publicado originalmente na plataforma digital SAPO 24 e no blogue Certas palavras)
(A questão da correção da expressão «dever de» foi já também abordada nesta resposta disponível no arquivo do Ciberdúvidas.)
5. Sobre a atualidade internacional::
— Deixamos aqui registado o nosso profundo pesar face à terrível tragédia que se abateu sobre Moçambique e, em particular, devido à sua gravidade, sobre a cidade da Beira. Este acontecimento trouxe de novo para primeiro plano do discurso mediático o uso incorreto do adjetivo humanitário, que, como já se recordou em diversas ocasiões, significa «conducente ao geral da humanidade; bondoso; benfazejo; filantrópico» (cf. Dicionário Priberam), tendo, portanto, um significado positivo que não se coaduna com a descrição de realidades como crise, catástrofe, desastre ou tragédia (vide a explicação mais detalhada da diferença entre humanitário e humano aqui, aqui e também aqui).
– Ainda a propósito dos terríveis efeitos do ciclone Idai na região centro de Moçambique, importa recordar que Sofala (nome de uma das províncias mais afetadas) se deve pronunciar /Sufala/ – e não "Sófala", com o o aberto, como frequentemente se continua a ouvir nos noticiários em Portugal. E é «cidade da Beira», e não «cidade "de" Beira» (pelas razões invocadas nesta explicação);
— O anglicismo fakenews continua na ordem do dia e a ele associa-se um outro: deepfake. Ambos designam novas realidades que obrigam a muitas reflexões. Uma delas ocorre no plano linguístico e prende-se com a sua tradução para outras línguas. Para fakenews a tradução mais óbvia é «notícias falsas». Quanto ao segundo termo, deepfake*, a Fundéu BBVA propõe para o espanhol a palavra ultrafalso – expressão perfeitamente adequada também para o português.
* Deepfake, no original inglês, refere-se a uma técnica de síntese de imagem e de voz humana com recurso a sistemas informáticos que permitem desenvolver vídeos manipulados extremamente realistas e convincentes.
6. A competência de produção escrita dos estudantes universitários dá o mote para a conversa com Emília Marrengula, professora da universidade moçambicana Eduardo Mondlane, durante a qual apresenta algumas propostas metodológicas que se encontra a investigar com vista à melhoria da produção de géneros textuais específicos. Uma conversa que poderá ser acompanhada no programa Língua de Todos, da RDP África, difundido na sexta-feira, dia 22 de março, com repetição no sábado seguinte, após o noticiário das 09h15*. O linguista João Veloso, professor da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, estará no programa Páginas de Português, na Antena 2, para falar sobre a obra de Tore Janson, História das Línguas – Uma introdução, para cuja tradução portuguesa (com divulgação, já, na rubrica Montra de Livros) escreveu o prefácio. Trata-se de uma obra de grande êxito na Suécia e nos países anglo-saxónicos que aborda a origem das línguas naturais, a qual se poderá conhecer melhor no domingo, dia 24 de março, às 12h30* (com repetição a 30 de março, às 15h30).
* Hora oficial de Portugal continental, ficando o programa disponível, posteriormente, aqui e aqui.