Sobre o uso de humanitário, e em acréscimo ao que já aqui (muito) se escreveu (ver Textos Relacionados), temos de distinguir duas perspetivas:
1. Do ponto de vista descritivo, é nosso dever registar que o adjetivo tem estado sujeito a um processo de alteração semântica, que reflete a própria deriva semântica de humanitarian em inglês, ou de humanitario, em espanhol. Disso mesmo damos conta no artigo "Porque é incorreta a expressão 'crise humanitária". É possível que, dentro de algum tempo, seja a vez de o português normativo aceitar tal (dis)torção da semântica original do adjetivo.
2. Contudo, no plano dos juízos normativos, a posição do Ciberdúvidas vai no sentido de defender a semântica original da palavra e, portanto, rejeitar expressões como «tragédia humanitária», «crise humanitária» e «caos humanitário». Assim, recomendamos que, na língua culta, não se empreguem tais expressões, considerando nós que «crise humana» ou «tragédia» humana são associações adequadas e corretas.
Não obstante a posição tomada pelo Ciberdúvidas, sabemos que, quando se fala de norma-padrão, se deve também ter em atenção o uso e a pressão social associada (por exemplo, o latim evoluiu para o português, numa época em que as condições históricas favoreceram mais a imposição do uso concreto do que a sua vigilância). Se o uso do adjetivo em apreço se generalizar em contextos como os mencionados, contrariando o juízo que nos leva a condená-lo, será mais um caso, entre muitos na nossa língua, do uso sobrelevar o sentido original da palavra, como são os casos de despoletar ou solarengo, vocábulos sobre os quais ainda não é certo que tenha prevalecido a deturpação semântica mais recente.
Por tudo isto, não deixaremos de lembrar que humanitário significa «em prol da humanidade", não sendo, portanto, compatível com palavras de sentido negativo ou disfórico, como crise, caos ou tragédia.
N.E. (agosto de 2021) — A confusão no emprego de ambos os adjetivos voltou a ser recorrente com o regresso a poder dos talibãs no Afeganistão e o cenário subsequente em matéria dos direitos das mulheres, nomeadamente. Erradamente, por exemplo, quando se refere que a ONU alerta para crise humanitária no Afeganistão e certo quando se escreve "Tragédia Humana iminente" no Afeganistão, ou no caso do acolhimento de refugiadas afegãs: Empresas portuguesas que querem contratar afegãs dizem que vai ser aberto corredor humanitário.