1. Com o final do ano no horizonte, é tempo de fazer o balanço de um ano de pandemia. Um ano que mudou vida da população mundial e que implicou alterações profundas no que agora se designa como «antigo normal». A sociedade passou a viver, em grande parte, dominada pelo medo. Medo do vírus, medo da doença, medo da morte. Um medo que dá poder a quem o explora: vive-se na era da fobocracia, uma realidade assente na desinformação. A humanidade dá, no entanto, no início do novo ano que se avizinha, um passo determinante na luta contra a pandemia, apostando tudo na «missão gigantesca» de vacinar a população mundial, o que traz novas questões de ética que importa ponderar, mas não afasta o perigo, cada vez mais certo, de uma «terceira vaga», que ameça ser a mais destruidora de todas e que justificou a ativação do assim designado «travão de mão» para controlar os festejos de final de ano em Portugal. O avanço da situação pandémica no mundo determina a inclusão destes novos termos no glossário A covid-19 na língua. A eles juntam-se ainda CureVac, «Estado de emergência VII», Extubação, «40 dias no hospital, mas venceu a covid aos 88 anos» e «Salve o Natal».
Primeira imagem: Anunciação, tapeçaria de Graça Morais.
2. O Natal pede sugestões de prendas a oferecer àqueles de quem mais gostamos. O ambiente natalício é indissociável dos livros, que se oferecem, que se partilham e que se leem. Ao longo do último ano, na rubrica Montra de Livros, foram sendo divulgadas obras que abordam diferentes áreas da língua portuguesa e que poderão constituir excelentes sugestões nesta época. Um destaque especial para duas recentes publicações na área da gramática e das dificuldades do português: Pontuação em Português e Almanaque da Língua Portuguesa, ambos de Marco Neves; e Fala sem Erros, de Sandra Duarte Tavares. Na área particular da história da língua: Assim Nasceu uma Língua, de Fernando Venâncio, que mergulha nas origens do português. Foram registas também diversas obras que tratam questões particulares da língua na sua relação com várias ciências humanas, como é o caso de O Essencial sobre a Língua Portuguesa como Ativo Global, de Luís Reto et al. A nossa língua estabelece fortes relações com a etnografia e define particularidades na sua variação geográfica e social; ou, ainda, à volta de lugares, objetos e tradições da História de Portugal. Por exemplo: 100 Papas na Língua, de Lurdes Breda; e Nação Valente, de Helder Reis. A literatura e a língua literária ocupam igualmente um espaço importante na Montra de Livros, entre outros, com estes dois títulos: As Literaturas em Língua Portuguesa, de José Carlos Seabra Pereira; e Colheita de Inverno, de Vítor Aguiar e Silva. Bem recente e totalmente dedicado à importância da palavra, O Elogio da Palavra, de Lamberto Maffei. E, sobre a docência da disciplina de Português no ensino secundário – e, mais, propriamente, a alunos do 7.º ao 12.º anos de escolaridade... pouco ou nada atentos ao domínio da sua língua natal –, lembramos o divertido livro Camões Conseguiu Escrever Muito para Quem Só Tinha um Olho... E outras respostas disparatadas em aulas e testes de Português, de Lúcia Vaz Pedro.
3. Recentemente registadas na Montra de Livros são as obras O Latim do Zero, do professor e tradutor Frederico Lourenço, que em 50 lições se propõe iniciar o leitor no estudo da língua latina, e Sentimento de Língua, uma publicação em homenagem ao gramático Evanildo Bechara, que reúne textos de diversos especialistas.
4. Ao Consultório chega-nos uma questão sobre o significado do verbo trapulhar, usado numa carta datada de 1902. Ainda outras dúvidas: o feminino de capelão, os complementos do verbo gostar, o uso do verbo perguntar com complemento direto com traço [+humano], o uso do pronome si como 2.ª pessoa do singular e o uso da forma obedecido como adjetivo.
5. A forma como a pressão social obriga a uma nivelação da língua falada, estandardizando-a de modo a apagar sotaques, sintaxe ou léxico que se afastam da norma, é uma realidade evidente não só nos meios de comunicação social mas também em ambiente empresarial, como afirma Rodrigo Tavares, fundador e presidente do Granito Group, numa crónica divulgada na rádio TSF (aqui transcrita com a devida vénia).
6. A especialista em linguística africana Margarida Maria Taddoni Peter apresenta um artigo dedicado ao estudo da preservação das línguas africanas no Brasil, no qual defende a importância do estudo destas línguas: «Estudar as línguas africanas que resistem nos rituais afro-brasileiros e em algumas comunidades negras, bem como investigar a participação das línguas africanas na constituição do português falado no Brasil, é contribuir para o conhecimento de nossa história, para o auto-conhecimento da população negra, pois só a informação é capaz de desconstruir preconceitos e eliminar a discriminação.»
7. O nome dado às refeições não é uniforme em Portugal e na Galiza. Aliás, termos semelhantes designam realidades bem diferentes, como explica o professor e tradutor Marco Neves, na sua crónica intitulada «A que horas é o jantar a norte do Norte?» (divulgada no Sapo 24 e no blogue do autor Certas Palavras).
8. Entre as notícias relacionadas com a língua, registe-se as seguintes:
— Em 16 de dezembro assinalaram-se os 30 anos da assinatura do tratado internacional que firmou Acordo Ortográfico. Este evento teve lugar em 1990 com o objetivo de criar uma ortografia unificada para o português, a ser usada por todos os países de língua oficial portuguesa. Foi assinado por representantes oficiais de Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal e São Tomé e Príncipe e, mais tarde, em 2004, Timor-Leste, país já independente.
— A Porto Editora promove, mais uma vez, a Palavra do Ano, uma iniciativa cuja votação decorre até final do ano de 2020 e que solicita aos participantes a seleção de uma entre 10 palavras. Este ano a escolha será feita entre confinamento, pandemia, COVID-19, saudade, digitalização, sem-abrigo, discriminação. telescola, infodemia e zaragatoa.Já em Espanha, a escolha da palavra do ano, segundo a Fundéu/RAE, será uma destas 12, ainda em votação : coronavirus, infodemia resiliencia, confinamiento, COVID-19, teletrabajo, conspiranoia, un tiktok, estatuafobia, pandemia, sanitarios e vacuna.
— A Priberam, em parceria com a agência Lusa, identificou as 31 palavras que definem o ano de 2020, resultado da análise das palavras mais pesquisadas no Dicionário Priberam da Língua Portuguesa. Entre elas, encontra-se, evidentemente, pandemia, mas também palavras que, sobretudo desde março p.p., passaram a integrar o léxico comum dos falantes. A lista pode ser consultada em O Ano em Palavras.
— Das Nações Unidas chega-nos a informação de que a ONUNews em português tem um novo perfil no Twitter (@ONUNews), numa aposta para chegar a mais utilizadores com notícias da atuação desta organização no mundo.
9. Os programas de rádio da responsabilidade da Associação Ciberdúvidas da Língua Portuguesa para a rádio pública portuguesa, o Língua de Todos, na RDP África, e o Páginas de Português, na Antena 2, decorrerão no seu horário normal (ficando ambos os programas disponíveis posteriormente aqui e aqui).
10. O Ciberdúvidas interrompe nesta data as suas atualizações regulares, que voltam em 5 de janeiro de 2021. Com os desejos de boas festas aos nossos prezados consulente, deixamos um poema de Miguel Torga, alusivo a este período:
Natal Divino Natal divino ao rés-do-chão humano, Sem um anjo a cantar a cada ouvido. Encolhido À lareira, Ao que pergunto Respondo Com as achas que vou pondo Na fogueira.
O mito apenas velado Como um cadáver Familiar… E neve, neve, a caiar De triste melancolia Os caminhos onde um dia Vi os Magos galopar… Miguel Torga, em Antologia Poética. |