Reunindo 35 ensaios, a maioria dos quais publicados por Vítor Aguiar e Silva já no presente século, com a chancela da editora Almedina, este livro articula-se em três partes. A primeira, que é a mais extensa (17 ensaios), incide sobre temas da teoria literária, abrangendo questões atinentes à natureza das línguas literárias ocidentais, entre elas, naturalmente, o português, que vão da filologia e da estilística às perspetivas político-culturais abertas pelo mundo pós-colonial. A segunda parte compreende cinco ensaios e é dedicada a aspetos críticos e interpretativos dos textos camonianos; e a terceira (13 artigos) aborda aspetos e atores da criação e da crítica literárias desenvolvidas em Portugal, do Renascimento à contemporaneidade,
A sinopse que se lê na contracapa é bastante elucidativa do título e da intenção desta recolha:
«A metáfora sazonal que configura o título deste livro tem duas explicações: uma, de natureza biográfica – o autor escolheu o título quando se deu conta de que em breve ia perfazer oitenta anos de idade –, e outra, de natureza cultural – há múltiplos sinais de que a literatura, a teoria e a crítica literárias têm sofrido, desde o último quartel do século XX, uma crise que se pode simbolizar na metáfora do Inverno (inclemência do clima, chuva e vento adversos, frio e névoa) [...]. Foi contra este pessimismo cultural que foram escritos os ensaios deste volume, todos eles procurando conhecer e explicar as formas e os sentidos que, desde há quase trinta séculos, constituem a literatura – memória do Ocidente e voz insubstituível da liberdade, dos sonhos e das misérias do homem.»
A respeito dos conceitos de língua e cânone1 literários, com especial interesse para a própria reflexão sobre os desafios da globalização à unidade do português e de outras línguas pluricêntricas, salientam-se dois artigos : "A ideia de literatura nacional" (pp. 25-53), ensaio que se publica pela primeira vez; e "Em busca de um cânone literário para a língua portuguesa" (pp. 113-136), de 2018. No primeiro, tendo em mente os receios da perda de identidade, Aguiar e Silva vaticina que «[a]s literaturas nacionais não se vão dissolver no "esperanto" da globalização nem se vão encerrar no cronótopo da localização xenófoba».
No segundo ensaio, que o autor dedica a Carlos Reis, apresenta-se uma proposta com aplicação ao ensino secundário, no sentido da «[...] constituição de um cânone literário para a língua portuguesa, sem prejuízo da constituição de cânones literários próprios de cada país que tem o português como língua materna ou como língua oficial»; e esclarece: «[...] penso sobretudo num cânone literário escolar que mostre a milhões de alunos portugueses, brasileiros, cabo-verdianos, guineenses, são-tomenses, angolanos, moçambicanos e timorenses, a unidade e diversidade da língua portuguesa [...].»
Com este livro, cujo lançamento antecedeu em poucos meses a atribuição do Prémio Camões de 2020, Vítor Aguiar e Silva mostra que os estudos literários continuam produtivos e dão colheitas indispensáveis à afirmação e ao desenvolvimento humanos.
1 Definição de Aguiar e Silva (op. cit., p. 118; o autor conserva a ortografia de 1945): «O cânone[...] é um conjunto de textos ou de escritores seleccionados pela sua qualidade preeminente, pelo seu prestígio duradouro, pela sua exemplaridade linguística e literária.» Sobre a questão do cânone, mencione-se outro lançamento recente, O Cânone (setembro de 2020), volume organizado por António M. Feijó, João R. Figueiredo e Miguel Tamen e publicado pelas Edições Tinta da China, com apoio da Fundação Cupertino de Miranda (ver registo na Abertura de 08/10/2020).
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