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Como é sabido, o verbo gostar seleciona complementos regidos pela preposição de. No entanto, uma vez que esta preposição não veicula um valor semântico, os complementos que introduz são, com frequência, e sobretudo em situações de conversação informal, omitidos1:
(1) « ̶ Gostas de chocolates?
̶ Gosto [de chocolates].»
Embora esteja elidido, este constituinte é pressuposto pelos falantes de forma a garantir a comunicação.
Quando o complemento do verbo gostar é anafórico, pode assumir a forma disto ou dele/a(s):
(2) «Ele conhece o João há anos. Gosta dele [do João] por essa razão.»
(3) «Ele decidiu arrumar a garagem. Gosto disso [de ele ter decidido arrumar a garagem] porque preciso de espaço.»
Como assinalam estas frases, parece existir uma tendência para usar o pronome ele em referência a antecedentes com o traço [+humano], sendo o pronome isso reservado para antecedentes com o traço [-humano].
Não obstante, uma pesquisa no Corpus do Português, de Mike Davies, mostra que o constituinte dele pode ter antecedentes de traço [-humano], como se observa nas frases seguintes onde se sublinha o antecedente:
(4) «A gente está na noite, por exemplo, só porque faz escuro, e está na chuva quando chove e não se pode abrigar, e também porque ninguém conseguirá nunca parar a noite porque quer, nem iluminar por dentro a chuva só porque não gosta dela na escuridão.» (João de Melo, Autópsia de um mar em ruínas.)
(5) « ̶ Posso chamar-te Toth? Não é esse o teu nome? O poeta fez um gesto de impaciência. - Usei-o em tempos, gosto dele.» (João Aguiar, O homem sem nome.)
A este propósito, Inês Duarte, tratando as construções com retoma de tópico com o verbo gostar, afirma que esta retoma pode ser feita por um pronome pessoal ou demonstrativo e apresenta como exemplo a frase que transcrevemos em (6):
(6) «Água de coco, gosto imenso dela / disso.»2
Conclui-se, deste modo, que é aceitável o uso do pronome pessoal em construções anafóricas, retomando constituintes com o traço [-humano].
Não obstante o que ficou dito, o recurso ao pronome demonstrativo parece ser a opção preferível quando se retoma uma oração, como ficou ilustrado em (3).
Por essa razão, diria que na frase (7), é aceitável o uso do pronome ele, porque se retoma um sintagma nominal, enquanto em (8), será preferível o recurso ao pronome demonstrativo isso, uma vez que se retoma uma oração. Em ambos os casos é também aceitável a construção com elipse do complemento oblíquo:
(7) « ̶ Gostaste do filme? Sim, gostei dele. / Sim, gostei.
(8) « ̶ Pratico natação e como gosto muito disso / gosto muito, vou à piscina duas vezes por semana.»
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1. Cf. Duarte e Costa in Raposo et al., Gramática do Português. Fundação Calouste Gulbenkian. 2347.
2. cf. Duarte in idem, ibidem, p. 411.