Nas fontes consultadas, não se encontram registos do verbo em questão. No entanto, há pistas que,apesar de vagas, apontam quer para uma amálgama de trafulha e atafulhar quer para o contacto ou com o castelhano ou com os dialetos aragoneses e catalano-valencianos.
Assim, regista-se em castelhano o nome trápala no sentido «pessoa que fala muito e diz coisas sem substância» (cf.dicionário da Real Academia Espanhola). Poderá conjeturar-se a derivação de uma forma como "trapalear", eventualmente alterada, de tal maneira, que resultou em "trapulhar". Nada disto encontra apoio nos dicionários consultados para esta resposta.
Contudo, documenta-se nos dialetos catalães e valencianos a forma trapulla, «batotice»:
«He sentit tranfullero ‘trompós’ a parlants de Sevilla. Per aquesta via deuen anar també entrampullar ‘v. entrampar’ del DM Gadea (1891) i trapulla ‘fullería’ al Vilar (els Serrans, Llatas 1959). Cf. trapull ‘agitació de persones o de coses en moviment’ (DCVB, Tortosa) i +atrafullat ‘atrafegat, atabalat’ (Moreira, Massip 1991: 300). (Josep Martines, L'aragonés i el léxic valencià, Caplletra 32 (Primavera 2002), pp. 157-201 p. 183)
[tradução livre: «Ouvi tranfullero 'enganador' a falantes de Sevilha. Por esta via devem andar também entrampullar 'enganar' do DM Gadea (1891) e trapulla 'trapacice" em Vilar (Els Serrans, Llatas 1959). Cf. trafull 'agitação de pessoas ou coisas em movimento' (DCVB Tortosa) e atrafullat 'atarefado, empatado' (Moreira, Massip 1991:300).]'
Ao ler estas linhas, não se resiste a relacionar com "trapulhar" o nome trafulha, «vigarice, aldrabice», do qual não é impossível derivar "trapulhar". A natureza de manuscrito do documento onde o verbo ocorre poderia até levar a pensar que é de trafulhar que se trata, mas um exame atento do desenho das letras da mão que escreveu confirma que é um "p" e não um "f" que se exibe na carta.
Pode também supor-se que "trapulhar" é mesmo uma criação muito pessoal, um idiotismo, que amalgama várias palavras cujo espetro semântico vai desde os significado de tropelia aos de atafulhar e atapulhar. Este último vocábulo não deixa de se perfilar como bom candidato a vocábulo motivador de "trapulhar"; e assinale-se que nestes campos lexicais se esboça uma alternância entre tap- e taf-, que permite considerar atafulhar, «encher em excesso», como variante de um antigo atapulhar, que hoje parecer ter emprego mais restrito (cf. Dicionário Houaiss, s.v. atafulhar, atapulhar, tapulhar, tapulho).
Acresce que o caso em análise envolve uma falante de português do Rio Grande do Sul, o que significa não ser descabido ver "trapulhar" como regionalismo ou até, como já se disse, idiotismo devidos à alta probabilidade de, nesse estado do Brasil, se verificar o contacto com o espanhol falado nos países vizinhos, ou seja, na Argentina e no Uruguai. Não é impossível que nestes países também tenha circulado léxico mais relacionado com sistemas linguísticos da parte oriental da Península Ibérica, como sejam o aragonês e o catalão-valenciano. Pode até ter acontecido que tal regionalismo ou idiotismo se deva a uma história familiar ou pessoal de contacto mais direto com a mencionada região peninsular.
Em suma, sobre a forma "trapulhar", a resposta não é, por enquanto, conclusiva. Contributos bem apoiados em fontes poderão com certeza levar a rever este parecer.