« (...) Não se formou, no Brasil, nenhuma língua de negro como o Black English, nos EUA, que pudesse distinguir uma comunidade afro-descendente, que se colocasse como uma marca de identidade étnica de reafirmação de variantes amplamente discriminadas. O português popular, não padrão, urbano ou rural, não distingue etnias, marca apenas a classe social e o nível de escolaridade do falante. (...)»
Abordar a intolerância linguística em relação ao negro pode parecer uma discussão secundária, se comparada a outras intolerâncias e preconceitos de que é vítima a população negra no Brasil. Pensando na sociedade em geral, não se pode negar que as relações assimétricas de que participam negros e brancos - observáveis no acesso à escola, ao emprego, à remuneração, etc. – refletem-se na linguagem, que pode passar a reproduzir toda sorte de preconceito; mas é verdade, também, que é pela linguagem e na linguagem que a desigualdade e o preconceito poderão ser contestados e superados.
A língua, enquanto veículo do preconceito, é vista por alguns como o lugar «onde se sedimenta o arquivo do mal», na expressão de Bernard-Henry Lévy. Para esses, a preocupação com uma expressão «politicamente correta» contribuiria para erradicar, pelo menos, o racismo e o antissemitismo. Para outros, ao contrário, o uso de eufemismos e a proibição de «certas palavras» não fariam mudar a realidade dura das coisas, mas contribuiriam para sua eternização, já que os problemas seriam apenas camuflados, escondidos debaixo do tapete das conveniências. Pensar a questão do negro nesse quadro de intolerância e preconceito significaria considerá-lo objeto do discurso do outro, vítima de um discurso preconceituoso. Pretendo aqui abordar o negro enquanto sujeito que assume uma língua, portuguesa ou africana, e que, enquanto produtor de discurso, manifesta sua identidade e utiliza a língua como uma forma de agir no mundo.
No Brasil, é notória a invisibilidade e o esquecimento a que ficaram relegadas as línguas africanas e a fala do negro. Esta última de difícil apreensão, pela quase total ausência de registros históricos. Pretendo aqui tratar das duas faces da relação do negro com a linguagem, considerando-o como um sujeito que se manifesta enquanto falante de português e enquanto falante/depositário de línguas africanas. Tentarei retraçar o percurso histórico dos falantes africanos e negros no Brasil, e me deterei em alguns aspectos apenas desse itinerário, que é complexo demais para ser tratado no espaço de que dispomos.
1. O Negro enquanto falante da língua portuguesa
Como consequência da expansão portuguesa, afluíram a Lisboa, desde 1441, numerosos negros africanos, que serviam como escravos. A presença africana foi maior nos séculos XVI e XVII, quando 10 000 escravos negros, aprendendo e falando português de um modo particular, não deixou de ser notada, a ponto de esta fala ser designada, na época, como «língua de preto». Dessa variedade linguística só temos registros literários, em peças de teatro cômicas: Cancioneiro de Resende (século XV), O pranto do Clérigo (1516) de Henrique Mota, O Clérigo da Beira, Frágoa d'Amor (1524) e Nau d'Amores de Gil Vicente. Pode-se afirmar que estas obras constituem os primeiros registros sobre o preconceito linguístico contra a fala do negro, considerado, na época, incapaz de aprender corretamente o português.
Paul Teyssier, em sua tese La langue de Gil Vicente, caracteriza a «língua de preto» como apresentando «sintaxe infantil e morfologia elementar: os infinitivos dos verbos substituem todas as pessoas, todos os modos e todos os tempos; as regras de concordância não são respeitadas, a mim é empregado no lugar de eu, estar no lugar de ser» (1959:229).
Mesmo que se pondere ser a "língua de preto" retratada por Gil Vicente uma representação literária, não deixa de ser relevante o fato de que muitos traços fonético-fonológicos, morfológicos e sintáticos ocorrerem em representações da fala de negro no Brasil, em textos de viajantes e em obras literárias, constituindo os estereótipos comuns a toda representação sobre a "fala de negro". Saint Hilaire notara que os negros conservavam «qualquer coisa de infantil em seus modos, linguagem e idéias» (Viagem ao Rio Grande do Sul, 1820-1:324).
Sobre o português na África, Gomes Eanes de Azurara, na Chronica do descobrimento e a conquista da Guiné, de 1453, fornece-nos uma base para a depreensão das ideias linguísticas que marcaram os primeiros contatos entre as línguas faladas por portugueses e pelos habitantes da costa africana. Ao nos informar sobre a atuação dos línguas, intérpretes negros que intermediavam o contato com novos povos da África, em dois episódios, Azurara constrói a imagem de falta de lealdade, de falsidade dos línguas, pois induziram os portugueses ao erro, chegando a provocar a morte de um capitão. Segundo o autor, os africanos não são confiáveis porque são «nossos inimigos» e gente de «grande bestyallidade» e, mesmo os que dominam o português, uma língua da cristandade, por fazerem do jogo tradutório entre as duas línguas um uso opaco e perigoso para os interesses portugueses, tampouco são confiáveis (Mariani, 2005:186).
Por outro lado, os portugueses que serviam como intérpretes, tangomão ou lançados, que aprenderam a língua dos guinéus, têm suas práticas linguísticas avaliadas positivamente. Assim, a língua portuguesa participa de uma situação paradoxal, remetendo para um imaginário negativo ou positivo, conforme seja falada por um africano ou por um português (Mariani, 2005:187).
A imagem que se constrói do negro africano falante de português é marcada, desde o início do contato linguístico/cultural, por avaliações negativas: incorreção e inconfiabibilidade. Daí ficou fácil depreender-se que o contato das línguas africanas com o português no Brasil só traria prejuízos à integridade da língua herdada da colonização. Entretanto, nos anos 1930, quando se coloca a questão da língua nacional, são as línguas africanas e as indígenas que vão conferir identidade ao português brasileiro (PB), pois serão lembradas como testemunho da diversidade do PB em relação ao português europeu (PE). O léxico de origem africana e indígena será o elemento linguístico selecionado como argumento da brasilidade do PB. Hoje, diluído no vocabulário geral do português, esse inventário de mais de dois mil itens tornou-se quase invisível, pela integração total da maioria dos termos em nosso repertório lexical.
Não se formou, no Brasil, nenhuma língua de negro como o Black English, nos EUA, que pudesse distinguir uma comunidade afro-descendente, que se colocasse como uma marca de identidade étnica de reafirmação de variantes amplamente discriminadas. O português popular, não padrão, urbano ou rural, não distingue etnias, marca apenas a classe social e o nível de escolaridade do falante.
Por outro lado, é verdade que os usuários das variedades não-padrão de PB, que não observam as regras de concordância nominal e verbal da norma culta e usam expressões estigmatizadas, como «nóis vai», pertencem às camadas mais pobres da sociedade, onde se encontra a maioria da população negra.
Em dissertação de mestrado defendida recentemente no DL, Rafael Coelho constatou que na população de Brasilândia, bairro da zona norte de SP, a insistência no uso de expressões com NÓIS + verbo no singular, como «nóis vai», «é nóis na fita», e a resistência a adotar a forma nova ‘ a gente + verbo singular, como «a gente vai», mostra que o "«dialeto dos manos caracteriza-se como nova forma de resistência linguística e de identidade social». Os manos vão se identificar com seus iguais: negros, pobres, descendentes de nordestinos, moradores da periferia paulistana. É bom notar que esse uso não indica um passado rural, mas a adesão a uma identidade urbana dos jovens de periferia.
Mas o que dizer das línguas africanas que para cá foram transplantadas?
2. Negro enquanto falante de línguas africanas
As línguas negro-africanas, transplantadas para o Brasil há quase quinhentos anos, sobrevivem hoje sob a forma de línguas especiais, ou seja, como modos de falar próprios de uma faixa etária ou de um grupo de pessoas dedicadas a atividades específicas, de acordo com a formulação clássica estabelecida por Van Gennep (1908). Não se apresentam mais como línguas plenas, mas revelam traços de seu longo e intenso contato com o português. O seu uso - além de estar associado a grupos específicos - está vinculado a duas funções principais: ritual : nos cultos religiosos ditos "afro-brasileiros", e demarcação social: como língua "secreta", utilizada em comunidades negras rurais, constituídas por descendentes de antigos escravos, como Cafundó e Tabatinga. Esses dois usos constituem a face visível do caminho que percorreram essas línguas e seus falantes. Esses falares resistem enquanto língua e memória coletiva de povos deportados (Petter, 2005).
O uso ritual, nos "candomblés" das diferentes "nações" - nagô-queto, jeje, angola - inclui diversas línguas: iorubá, em todos os cultos e principalmente na nação nagô-queto; eve-fon, nos cultos jeje; quimbundo e quicongo, no candomblé angola. No Maranhão, no tambor de mina, há um misto de língua mina-nagô.
Nos cultos de umbanda fala-se português brasileiro "popular", com vocabulário, semantismo e traços morfossintáticos particulares, próprios da "entidade" incorporada pelo médium no estado de transe.
As línguas africanas utilizadas hoje ritualmente mantêm-se como veículo de expressão dos cânticos, saudações e nomes dos iniciados, principalmente podendo também servir como meio de comunicação entre os adeptos da mesma comunidade de culto.
Fenômeno interessante foi observado nos anos 70, nos candomblés nagô, quando os adeptos do culto se dirigiram para a Nigéria em busca de uma reafricanização do culto, na tentativa de reencontrar uma África perdida no tempo, com os quase cinco séculos de transmissão oral, e no espaço, pela separação territorial do continente de origem. Na atualidade, é o candomblé angola que vem buscando reafricanizar-se, pela consulta de dicionários e gramáticas sobre as línguas do grupo banto, quicongo e quimbundo, principalmente. O recurso à língua escrita, outrora impensável, é hoje aceito, pois essa religião da oralidade vai pouco a pouco sentindo sua necessidade, para registrar e atualizar a linguagem, ao mesmo tempo em que confere autenticidade africana ao culto.
Tanto no candomblé angola quanto nas diferentes nações, nagô ou jeje, há muita permeabilidade, visível na utilização de muitos termos e rituais em comum. Essas línguas africanas, marcas da identidade do culto, resistem não só à dominação do português, mas ao preconceito de serem um aspecto primitivo que se deve exorcizar. Essas línguas e o significado que elas preservaram e dinamizaram foram hoje ressignificados como pureza e originalidade, tornando-se, portanto, compatíveis com a modernidade.
Os movimentos negros atuais, percebendo a força e a importância cultural das religiões de matriz africana, que resistiram à intolerância ao culto, reorientaram sua estratégia e passaram a valorizar os cultos afro-brasileiros, apropriando-se do conjunto de suas práticas, na busca de uma identidade africana, evidenciada na "língua" da nação cultuada pelo terreiro.
Dentro dessa nova visão, podemos citar o MonaBANTU – Movimento Nacional Nação Banto, uma organização autônoma, constituída de comunidades e de centros de resistência da cultura banto no Brasil, que «propõe-se a ser um espaço político de discussão, elaboração e deliberação sobre questões relativas aos processos de luta contra a discriminação, a opressão de gênero e a intolerância religiosa, na procura de reparações à nação banto» (estatuto do movimento, grifo nosso).
Essa entidade realizou, de 13 a 15 de maio de 2005, o 1.º Seminário Nacional – Comunidades Tradicionais e Espaços Potenciais de Vida, em Osasco, São Paulo. Nesse encontro, os participantes discutiram questões referentes à participação dos negros na sociedade brasileira e decidiram formar um movimento nacional (MonaBANTU), considerando como ponto central a participação de religiões africanas, enquanto centro de resistência da cultura africana no Brasil. A estrutura do congresso prevê que os membros da comunidade banto do Brasil se encontrem a cada três anos, com a participação de dois representantes por Estado, sendo que um deles seja originário de comunidade terreiro ou terreiro de umbanda.
O uso de «línguas africanas» – na verdade, um léxico de origem africana – por comunidades negras rurais, com função de demarcação social, foi registrado por duas obras: uma sobre a linguagem do Cafundó, em São Paulo (Vogt & Fry, 1996), e outra a respeito da linguagem da Tabatinga, em Minas Gerais (Queiroz, 1998). Em São Paulo, não há outra referência ao uso de um léxico de origem africana, nem mesmo na região do Vale do Ribeira, onde se situam 52 comunidades remanescentes de quilombos.
O Cafundó é um bairro rural da cidade de Salto de Pirapora, situada a 150 km de São Paulo, constituído por descendentes de africanos que mantêm o uso de um léxico de base banto. A descoberta desse núcleo, no final da década de 70, provocou o debate sobre aspectos da realidade linguística brasileira pouco investigados: a presença e a permanência de línguas africanas no Brasil, e o questionamento da possível origem crioula dessa fala.
A fala do Cafundó é uma variedade do português regional, um dialeto rural, caracterizada por um léxico reduzido de origem banto (quimbundo, em particular), com estrutura morfossintática do português. O léxico de origem africana contém cerca de cento e sessenta itens, com quinze verbos e dois advérbios. A maioria de seus locutores possui um conhecimento passivo desse repertório, visto que seu uso efetivo vem diminuindo, mantendo-se apenas na comunicação de alguns adultos. As crianças, hoje, aprendem esporadicamente alguns vocábulos, como o nome de alimentos e de alguns animais. Para os cafundoenses, a mais importante função da "língua", ou da cupópia, como a identificam, é a de código secreto, restrito a membros da comunidade. O uso secreto dessa língua cumpre, na verdade, uma função lúdica, pois agrada-lhes enganar os desavisados. Dessa forma, os falantes se distinguem como descendentes de africanos, superiores a toda degradação social e econômica de que são vítimas (Vogt & Fry, 1996).
A «língua do Negro da Costa» ou a «língua da Tabatinga» é falada por um grupo de negros da cidade de Bom Despacho (MG), situada a 140 km de Belo Horizonte. Tabatinga, antigamente «um aglomerado de casinhas de capim espalhadas pelo morro de argila branca que veio dar o nome ao lugar», hoje é uma rua da periferia de Bom Despacho (Queiroz, 1998:50). "Língua" muito próxima gramaticalmente do «português popular brasileiro», mais especificamente do dialeto da região, possui um pequeno vocabulário de origem africana, banto (quimbundo, principalmente), com muitos termos semelhantes aos do Cafundó. Utiliza morfemas derivacionais e flexionais do português, embora uma análise diacrônica pudesse identificar em diversos termos prefixos de origem africana, os morfemas identificadores de classes nominais, como, por exemplo ca- de camona criança, reconhecido nas línguas do grupo banto como marca do diminutivo (Queiroz, 1998: 79).
Essas duas comunidades constituem o que hoje, depois da constituição de 1988, se passou a considerar «comunidades remanescentes de quilombos».
Segundo consta no Documento do Grupo de Trabalho sobre Comunidades Negras Rurais da Associação Brasileira de Antropologia4, de outubro de 1994, os «remanescentes de quilombos» hoje:
«constituem grupos étnicos conceitualmente definidos pela Antropologia como um tipo organizacional que confere pertencimento através de normas e meios empregados para indicar afiliação ou exclusão (BARTH, Frederik - 1969): (ed.) Ethnic Groups and Boundaries. Universitets Forlaget, Oslo).»
Produziu-se portanto uma interpretação que abrangia não só comunidades com origem em antigos quilombos, mas formas de ocupação negra que até hoje não haviam encontrado respaldo legal nem reconhecimento de suas especificidades étnicas e de seu direito «historicamente construído» à permanência, o que as tornava extremamente vulneráveis.
Esses grupos apresentam muitas características em comum, entre elas: ocupam um território indiviso de uso comum; estão referidos a uma memória genealógica da escravidão; e são compostos por famílias com fortes laços de parentesco e de vizinhança, firmados em relações de solidariedade e reciprocidade.
Já a palavra remanescente atua justamente como conceito diferencial com relação aos usos históricos do termo quilombo, citado em outros momentos na Constituição de 1988. «Com ele o que está em jogo não são mais as "reminiscências" de antigos quilombos (documentos, restos de senzalas, locais emblemáticos, etc.), mas organizações sociais, grupos de pessoas que «estejam ocupando suas terras», como diz o artigo 68 do ADCT» (Texto do seminário Adperj, 2004).
Atualmente, vem sendo desenvolvida uma pesquisa no quilombo da Tabatinga, com o objetivo de registar possíveis mudanças no «código secreto» , ensinar a "gira" da Tabatinga, bem como preservar a cultura local. D. Fiota, 79 anos, famosa pela sua afirmação «eu não tenho a letra, só tenho a palavra», a mais antiga moradora do bairro, dá aulas numa sala de conversação, onde ensina a "língua", "gira" (gíria) e fala sobre a cultura local. O projeto segue os pressupostos da História Oral e envolve alunos de graduação de uma universidade privada da região mineira. O interessante deste trabalho é o fato que todo o registro vai ser feito sem o uso da língua escrita, apenas com os recursos de novas tecnologias de gravação da fala e da imagem.
Excetuando-se esses dois quilombos, em que se pode detectar um uso de língua africana, os demais – dois mil (?) – usam o português local, diferentemente das comunidades indígenas, que se caracterizam pelo uso de uma língua específica.
Um outro exemplo de quilombo moderno, objeto de uma dissertação de mestrado em sociolinguística, na UNICAMP, é Curiaú, no Amapá, o primeiro quilombo a ser reconhecido pela Fundação Palmares, em dezembro de 1999, onde se fala um dialeto do português local, sem qualquer vestígio de língua africana. O estudo de Edna Santos Oliveira (2006) constatou um fato: a mudança do estatuto social (reconhecimento como quilombo) também operou acomodações de natureza linguística e cultural. Embora o foco do reconhecimento da remanescência quilombola fosse cultural, com um forte viés econômico, a extensão ao linguístico foi inevitável, inclusive porque toca a identificação tanto interna quanto externa da comunidade.
O estatuto quilombola produziu uma sequência de efeitos que vão desde a valorização de festividades e tradições, como as festividades religiosas, em que há um batuque, até o surgimento de uma nova função social - a do escritor, derivada do processo de apropriação da escrita que está, por conseguinte, intimamente relacionado à instauração de uma nova forma de comunicação. O escritor, nesse quadro, tem a função essencial de fortalecer e sobretudo difundir a versão da identidade quilombola, ainda não bem processada, tanto dentro como fora da comunidade.
O título de quilombo e essa nova identidade – quilombola – abraçada pelo grupo como constitutiva de sua história, conferem lugar de prestígio social a esse grupo, relativamente ao conjunto da sociedade. Nesse quadro, a escrita apresenta-se como instrumento de divulgação do quilombo.
Convém notar que a comunidade já tinha acesso à escrita, pois havia escolas no local, mas só depois do reconhecimento é que surge a necessidade de escrever livros e jornais, O Jornal do Quilombo. O primeiro livro, do escritor local Sebastião Menezes da Silva: Curiaú: sua vida, sua história, seguido de Curiaú: a resistência de um povo, são obras em que a história é relembrada com uma pitada de invenção. O censo local feito por esse escritor registra, ao lado de profissões como agricultor, agente de saúde, DJ, as profissões de poeta e escritor, com um indivíduo em cada um desses dois ofícios.
Considerações finais
Os relatos sobre os dois quilombos, Tabatinga e Curiaú, demonstram como a língua é fator importante de coesão do grupo e de resistência ao apagamento da história. Em Tabatinga, pela oralidade reafirmada como veículo primordial de preservação das línguas e culturas africanas; em Curiaú, pela apropriação da escrita, que vai conferir legitimidade ao reconhecimento que foi feito pela escrita do outro, no documento oficial.
Estudar as línguas africanas que resistem nos rituais afro-brasileiros e em algumas comunidades negras, bem como investigar a participação das línguas africanas na constituição do português falado no Brasil, é contribuir para o conhecimento de nossa história, para o autoconhecimento da população negra, pois só a informação é capaz de desconstruir preconceitos e eliminar a discriminação.
Referências bibliográficas
COELHO, R. F. É nóis na fita! Duas variáveis lingüísticas numa vizinhança da periferia paulistana. Dissertação de Mestrado, USP, 2006.
MARIANI, B. A língua como questão nos primórdios da colonização africana: a Crônica da Guiné de G. E. de Azurara. Gragoatá. N. 19. Niterói: EdUFF, 2005:161-176.
PETTER, M.M.T. Línguas africanas no Brasil. Gragoatá. N. 19. Niterói: EdUFF, 2005:193-227.
QUEIROZ, S. Pé preto no barro branco: a língua dos negros da Tabatinga. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 1998.
SANTOS, E. Da tradição oral à escritura: a história contada no quilombo de Curiaú. Dissertação de Mestrado. Unicamp, 2006.
TEYSSIER, P. La langue de Gil Vicente. Paris: Klicksieck, 1959.
VOGT, C., FRY, P. Cafundó, a África no Brasil: linguagem e sociedade. São Paulo : Companhia das Letras, 1996
Artigo da autora, aqui transcrito com a devida vénia, publicado originalmente na página digital Diversitas – Núcleo de Estudos de Diversiddes, Intolerâncias e Conflitos, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da (FFLC) Universidade de São Paulo (USP).