« (...) De forma geral, não é raro confundir esse conceito com o da conotação propriamente dita. Isso não ocorre, no entanto, gratuitamente, uma vez que entre a conotação e metáfora se verifica a presença de traços subjetivos na associação das ideias. (...)»
Diante dos mais diversos recursos utilizados no arranjo textual, a metáfora é, sem dúvidas, um dos mais conhecidos por professores e alunos. Pela sua potência, a aplicação da metáfora incide sobre os aspectos estilísticos, discursivos e pragmáticos, visto que aciona efeitos subjetivos e associações criativas, conferindo estética única aos textos.
De forma geral, não é raro confundir esse conceito com o da conotação propriamente dita. Isso não ocorre, no entanto, gratuitamente, uma vez que entre a conotação e metáfora se verifica a presença de traços subjetivos na associação das ideias. Uma se distingue da outra, entretanto, a partir de duas perspectivas. Na primeira, enxerga-se a conotação como uma forma mais ampla de se reunirem as múltiplas figuras de linguagem, entre elas o eufemismo, a personificação, a sinestesia, por exemplo. Ou seja, pode-se entender a conotação como um hiperônimo da metáfora. Na segunda, verifica-se a metáfora como a aproximação semântica – criativa e original – entre os termos.
Num campo mais didático, reconhece-se a metáfora a partir de alguns conceitos. O mais famoso é o que afirma ser ela uma comparação implícita, nascida da similaridade proveniente da associação de ideias: «No fundo ela amava aquele seu meio-irmão, espinho e dor da sua vida». No exemplo extraído do romance Os Sinos da Agonia, de Adonias Filho [sic], a imagem do espinho e da dor associam-se à imagem do meio-irmão, descrevendo-o, criativamente, por uma noção subjetiva.
Outro conceito é o que lembra ser a metáfora a supressão de um elemento por outro, e, neste caso, a explicação resgata a própria etimologia da palavra metáfora, do grego μεταφορά, isto é um transporte, uma transferência. Essa acepção é chamada de metáfora pura, porque há uma fusão de duas ideias, com a manutenção, entretanto, de um elemento linguístico, neste caso o elemento que reúne em si os dois aspectos de sentido. Por exemplo, em: «Não era mais uma menina com um livro: era uma mulher com o seu amante», Clarice Lispector, em Felicidade Clandestina, relaciona o sentimento de prazer com a leitura ao prazer sensual (e sexual). Na coordenação de orações, o que se verifica é a relação associativa entre:
Menina – Mulher
Livro – Amante
O propósito desse nível metafórico é converter o abstrato em concreto, tornando o não conhecido em conhecido. Em Metáforas machadianas: estruturas e funções, Walter de Castro afirma que «uma das funções da metáfora é dar ênfase às impressões, pois a evocação de um termo comparante tende a dar maior força, maior intensidade àquilo que expressamos».
A metáfora, contudo, é mais do que a substituição de um termo pelo outro. Luís Fiorin explica que esta figura de linguagem é um «procedimento discursivo de constituição de sentido» que «não é a substituição de uma palavra por outra, mas outra possibilidade, criada pelo contexto, de leitura de um termo. Quando entre a possibilidade de leitura 1 e 2 houver uma intersecção de traços semânticos, há uma metáfora».
Vamos verificar os procedimentos acima a partir da leitura da primeira estrofe do famoso poema “Canção”, de Cecília Meireles.
Pus o meu sonho num navio
e o navio em cima do mar;
– depois, abri o mar com as mãos,
para o meu sonho naufragar.
O leitor identifica, é claro, que o navio e o mar estão no campo da conotação. Abertos a novas possibilidades interpretativas, esses símbolos precisam recorrer a outros valores para serem mais claramente compreendidos. A palavra sonho nos dá esse tom. Diferentemente de pesadelo, que tem um aspecto negativo, sonho associa-se a algo bom; por isso, desde já, percebe-se um certo teor de tristeza, produzido pela necessidade de o eu lírico precisar naufragá-lo. Compreendendo que a estrofe está num campo de grande subjetividade, o navio é o invólucro material para lidar com algo tão abstrato quanto o sonho. Uma vez materializado, o eu lírico pode abrir o mar (o próprio interior do emissor?) que será o depositário do seu sonho morto. Menos difícil do que expurgar o sonho, o eu lírico encontra na imersão a forma de relacionar-se com o próprio sofrimento, já que só uma situação extrema poderia levar alguém a querer se desfazer de algo positivo.
Em resumo, nota-se que os três signos primeiro partem de uma noção objetiva: sonho (pensamentos e imagens que se realizam quando se dorme), navio (embarcação) e mar (espaço geográfico), para assumirem uma noção subjetiva: sonho (algo bom), navio (invólucro material) e mar (região subjetiva sobre o qual está o navio e que será igualmente entendido como o próprio “cemitério” dos sonhos”).
Por apresentar uma sucessão de metáforas, o texto se revela alegórico e o seu efeito se coloca patente. A metáfora, como o ato poético em si, mais do que querer revelar a objetividade referencial do objeto, busca, seja pelo insólito, seja pelo efeito expressivo, promover, a partir da originalidade e subjetividade, a impressão passional.
N. E. (14/01/2021) – Por erro, é atribuído a Adonias Filho (1915-1990) o romance Os Sinos da Agonia. Na verdade, o autor desta obra é Autran Dourado (1926- 2012).
Artigo de Roberto Lota publicado na página de Facebook Língua e Tradição em 8 de janeiro de 2021.