Um dos grandes problemas que estão associados a questões como a que apresenta prende-se com o conceito, errado, de que só alguns iluminados utilizam recursos expressivos da língua. No seu texto, poderia, por exemplo, centrar-me na seguinte frase:
«Afinal, o que são recursos expressivos e o que são figuras de estilo e, por fim, onde se enquadram as sensações visual, olfativa, gustativa, táctil e a auditiva?»
Estamos perante uma pergunta enfática, com algum grau de, digamos, impaciência, ou saturação, que já se anuncia nas frases anteriores. Opta por fazer não uma, mas uma sequência de três perguntas, ligadas por coordenação copulativa. Além disso, anuncia que vai concluir, através de uso parentético (através de vírgulas) de «por fim».
O que a consulente fez foi usar a língua que conhece, e domina, de forma eficaz, para produzir um determinado efeito: dúvida, por um lado, e insatisfação, por outro. Ao fazê-lo, usou recursos expressivos. Não vou aplicar a “lupa” da análise estilística à sua frase, caso contrário dir-lhe-ia ainda que recorre a repetições como «o que», etc., dando jus ao que digo no último dos exemplos de respostas mal conseguidas que inclui na sua pergunta. Aí defendo — e mantenho! — que todos os falantes de uma língua materna a usam adequadamente para conseguir os seus objectivos. Para isso, recorrem a diversas estratégias que não são outra coisa a não ser recursos expressivos da língua. Se se tivesse concentrado na segunda parte dessa mesma resposta, veria que os recursos estilísticos são muito mais abrangentes do que as figuras de estilo, sendo muitas destas situadas na retórica. Efectivamente, as figuras de estilo são, também, por vezes, identificadas como figuras de retórica.
Poderemos dizer que a língua possibilita a cada falante o uso de uma grande quantidade de recursos expressivos e que uma parte desses recursos expressivos é conhecida como figuras de estilo com designações e definições fixadas pela retórica, num tempo em que a sintaxe não era ainda uma área específica do estudo da gramática. Das figuras de estilo, tem uma lista bastante exaustiva na segunda resposta que aponta como não esclarecedora, onde, se reparar bem, tem dois tipos de recursos expressivos. Em primeiro lugar é dado um conjunto vastíssimo, e renovável por cada falante, de possibilidades de recursos (O tal "jardim" de que falo na segunda parte da resposta que refere em último lugar...):
«1 – A utilização de uma adjectivação sugestiva, a ligação inusitada de um substantivo a um adjectivo, o uso de uma pontuação que sugira o estado de alma, a opção por uma sequência de vocábulos de um determinado campo semântico, a utilização de processos enfáticos, etc.»
Esta lista, podendo ser objecto de uma sistematização, nunca pode ser exaustiva, pois cada um de nós pode sempre usar uma forma nunca antes utilizada para fazer passar a sua mensagem. Em segundo lugar, é apresentada uma lista de figuras de estilo (o canteiro do jardim dos recursos que também refiro na questão já indicada), retirada da retórica e com designações fixadas, como já disse, há muito. São ainda indicadas as três grandes áreas em que costumam ser divididas as figuras de estilo ou de retórica: fonética, morfossintáctica e semântica.
Espero ter respondido a duas das suas questões: o que são recursos expressivos e o que são figuras de estilo. Quanto à terceira, onde se enquadram as «sensações visual, olfativa, gustativa, táctil e a auditiva», correndo o risco de a escandalizar, dir-lhe-ei que não as enquadro, com certeza!, na língua portuguesa. Enquadro-as na capacidade sensitiva, ou de experimentar sensações. Quando toco num cubo de gelo, sinto uma sensação táctil, de frio. E isso nada tem que ver com a língua. O que tem que ver com a língua é a forma como eu a uso para dizer aos outros que aquele cubo está gelado. E posso fazê-lo de mil maneiras. Se for Verão, a sensação de frio me agradar e as pessoas a quem quero dizer isso estiverem perto de mim, posso recorrer a uma interjeição. Ou a uma expressão do tipo «que bom!, que fresquinho!» etc. Se tiver de escrever sobre isso, vou ter, primeiro, de situar e contextualizar a acção de tocar no gelo e, depois, recorrer a técnicas diversas para fazer chegar ao meu leitor uma ideia o mais próxima possível do que senti.
E se for Inverno e a sensação me for desagradável, vou recorrer a outras formas de fazer chegar essa mensagem. Em qualquer dos casos, estarei sempre a usar recursos expressivos da língua.
Em síntese, o que é do foro da língua não são as sensações, mas sim a forma como conseguimos falar delas. Como dos sentimentos. Como das emoções…
Por último, gostaria de lhe sugerir a leitura da obra de Rodrigues Lapa Estilística da Língua Portuguesa. A edição que tenho na mão é da Coimbra Editora e é de 1984, mas creio que continua a ser editada.