«[...] a metáfora papal parece ter raízes na ideia recente, com muita aceitação moral, de que a agressão com palavras é igual à agressão física e que por causa disso a agressão verbal requer as mesmas medidas de coação que uma agressão física.»
«A maledicência é terrorismo.» A declaração foi feita pelo Papa durante a visita ao Bangladeche e foi notícia.
Segundo a agência Lusa, as palavras do Papa foram estas: é "terrorismo", porque «o que vai falar mal dos outros não o diz publicamente, tal como o terrorista não o diz publicamente. Aquele que vai falar mal dos outros fá-lo às escondidas. Atira a bomba e vai-se embora e a bomba destrói tudo e ele vai tranquilamente colocar outras.»
Segundo o Papa, o que há em comum entre dizer mal de alguém e o terrorismo é a cobardia e a destruição total.
Fixemo-nos na destruição. Por esta ordem de ideias, os danos causados pelas palavras proferidas por alguém para atacar outro alguém causam mais ou menos o mesmo tipo de danos que a destruição física, apesar de só esta última conduzir a ferimentos físicos, à invalidez ou à morte.
Devemos, então, entender que o Papa estava a fazer uma metáfora, algo que é hábito fazer-se em sermões. Mas perguntemo-nos se a metáfora não será um pouco forte. Imagine-se o que os familiares das vítimas do 11 de Setembro, do Bataclan, do Charlie Hebdo, de Manchester e de tantos outros milhares de vítimas do terrorismo pelo mundo fora pensarão das declarações do Papa.
Mas a metáfora papal parece ter raízes na ideia recente, com muita aceitação moral, de que a agressão com palavras é igual à agressão física e que por causa disso a agressão verbal requer as mesmas medidas de coação que uma agressão física.
George Lakoff, professor de Ciência Cognitiva e Linguística na Universidade da Califórnia, autor do célebre livro Metáforas da Vida Quotidiana, explica no seu blogue que, tal como a violência, as palavras podem causar danos físicos. O fundamento científico encontrado é este: a linguagem pode mudar o cérebro da pessoa e, portanto, as palavras agressivas mudam o cérebro do indivíduo gerando stress e desconfiança. Lakoff refere que estas são reações puramente físicas, pois têm lugar nos nossos circuitos neuronais. Logo há dano físico. E este dano físico interno pode ser tão grave como receber um murro na cara, podendo a pessoa ficar emocionalmente ou intelectualmente incapacitada.
O momento em que a metáfora deixa de ser uma forma de expressão para se tornar numa coisa séria é quando o autor sugere que os sistemas neuronais deviam ter estatuto legal e assim criminalizar a palavra na mesma medida em que se criminaliza a ação violenta.
Onde é que nós já ouvimos isto?
Apontamento de Ana Sousa Martins para a rubrica "Cronicando" do programa Páginas de Português, emitido na Antena 2, em 13/01/2019.