O uso1 da vírgula pode ser obrigatório ou estilístico.
Além do muito que há no Ciberdúvidas sobre a pontuação em geral e a vírgula em particular – vide Textos Relacionados, ao lado –, vamos cingir-nos ao uso correto da vírgula nos contextos frásicos apresentados na pergunta.
Uma das questões principais no estudo e aquisição de uma língua é a ordem de palavras. A ordem canónica do português é SVO2 (M)
Vejamos a ordem canónica dos constituintes da frase (i).
i. A AnaSujeito foiverbo a Lisboaobjeto ontemModificador.
Nesta frase, o único constituinte que é opcional é o advérbio ontem que desempenha a função sintática de modificador, ocupando a última posição na frase.
O facto de o advérbio ontem desempenhar a função sintática de modificador faz com que este constituinte seja móvel na frase, razão pela qual são possíveis as seguintes frases:
ii. «Ontem, a Ana foi a Lisboa.»
iii. «A Ana, ontem, foi a Lisboa.»
vi. «A Ana foi, ontem, a Lisboa.»
Como podemos observar, a extração do constituinte da sua posição canónica obriga ao seu isolamento através de vírgula.
No conjunto de frases que o consulente apresenta, a questão da colocação da vírgula não reside no facto de a frase exibir a conjunção coordenativa e ou mas. A razão da obrigatoriedade da vírgula reside no facto de as frases serem complexas e terem uma oração subordinada adverbial extraposta. A vírgula não está a seguir à conjunção, mas sim a isolar a oração subordinada adverbial.
As orações subordinadas adverbiais, tal como os advérbios, desempenham a função sintática de modificador. Assim, sempre que a oração subordinada adverbial antecede ou está intercalada na oração subordinante (principal), é isolada por vírgulas dado que não se encontra na sua posição canónica.
Analisemos as frases:
1 – «Nada prejudica mais uma apresentação do que o nervosismo. E, quando isso acontece, a melhor maneira é respirar fundo e confiar em si mesmo.»
A ordem canónica da frase seria:
1’– «Nada prejudica mais uma apresentação do que o nervosismo. E a melhor maneira é respirar fundo e confiar em si mesmo quando isso acontece.»
A oração subordinada adverbial temporal (quando isso acontece) antecede a frase subordinante que resulta de duas orações coordenadas copulativas [a melhor maneira de respirar fundo e (a melhor maneira) de confiar em si mesmo], por isso está isolada com vírgulas. Se retirássemos a oração subordinada (modificador), teríamos a frase simples, sem vírgulas: 1’’– «E a melhor maneira é respirar fundo e confiar em si mesmo.»
2 – «Eu pediria que voltasse a ser quem era e recordasse tudo o que vivemos. Mas, mesmo assim, se isso não for possível, esqueça tudo o que passamos.»
2’ – A ordem canónica seria: «Eu pediria que voltasse a ser quem era e recordasse tudo o que vivemos. Mas, mesmo assim, esqueça tudo o que passamos se isso não for possível.»
Nesta frase, existe um modificador adverbial (conetor interfrásico) mesmo assim, isolado por vírgulas, seguido de uma oração subordinada adverbial condicional que antecede a oração principal, por isso também ela está isolada por vírgulas. Se apagássemos os modificadores desta frase, ficaríamos com a seguinte frase simples:
2’’ – «Mas esqueça tudo o que passamos.»
3 – «Ontem, Maria me contou uma história de amor inesquecível que ela viveu há alguns anos. Então penso comigo. E, se essa história de amor for realmente verdade, será que um dia poderei vivê-la?»
Nesta frase a questão é a mesma, não é a conjunção e que está isolada por vírgulas, mas sim a oração subordinada adverbial condicional se essa história de amor for realmente verdade, que saiu do final da frase e se encontra antes da oração principal.
3’ – «E será que um dia poderei vê-la se essa história de amor for realmente verdade?»
3’’ – «E será que um dia poderei vê-la?»
A redação da frase 3 está correta.
4 – «Podes ter imaginado um caminho incrível rumo a um destino excepcional. Mas, para levar as pessoas até lá, é necessário que faças a viagem parecer atraente.»
Em 4, passa-se exatamente o mesmo. Existe uma oração subordinada adverbial final que antecede a oração principal.
4’ – «Mas é necessário que faças a viagem parecer atraente para levar as pessoas até lá.»
4’’ – «Mas é necessário que faças a viagem parecer atraente.»
Assim, creio ficar demonstrado que a existência da vírgula nestas frases não decorre da presença da conjunção coordenativa copulativa ou adversativa, mas sim da presença de orações subordinadas adverbiais extrapostas. As subordinadas adverbiais desempenham a função sintática de modificador e, por essa razão, são móveis dentro da estrutura frásica à semelhança do comportamento sintático dos advérbios com função de modificador. As orações subordinadas adverbiais, sempre que antecedem a oração principal, são isoladas por vírgulas. Estas orações podem ainda estar intercaladas na oração principal. Vejamos:
1’’’ – «Nada prejudica mais uma apresentação do que o nervosismo. E a melhor maneira, quando isso acontece, é respirar fundo e confiar em si mesmo.»
2’’’ – «Eu pediria que voltasse a ser quem era e recordasse tudo o que vivemos. Mas, mesmo assim, esqueça, se isso não for possível, tudo o que passamos.»
3’’’ – «Ontem, Maria me contou uma história de amor inesquecível que ela viveu há alguns anos. Então penso comigo. E será que, se essa história de amor for realmente verdade, um dia poderei vivê-la?»
4’’’ – «Podes ter imaginado um caminho incrível rumo a um destino excepcional. Mas é necessário, para levar as pessoas até lá, que faças a viagem parecer atraente.»
1 Para o estudo do uso da vírgula em diversos contextos, recomenda-se a consulta de Cunha & Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo, capítulo 21- pontuação, Edições João Sá da Costa, Lisboa, pp.639 – 646.
2 Sujeito, Verbo, Objeto e (Modificador).