Trata-se de uma ideia que tinha voga há mais de meio século, mas que tem o seu quê de mítico.
Geralmente, diz-se que o português padrão se elaborou e fixou no eixo Lisboa-Coimbra, ou seja, entre camadas de população com algum privilégio social e que se encontravam ou se deslocavam sobretudo na área da capital política e administrativa, Lisboa, e na capital académica, Coimbra1. Mas a questão da correção em Portugal, tendo base regional, também revela uma dimensão sociológica, o que não é novidade no contexto das línguas europeias e outras.
Assim, a definição da pronúncia-padrão de Portugal envolve de facto Coimbra, mas não se trata de Coimbra no seu todo, tal como nunca foi, neste âmbito, a consideração da pronúncia de Lisboa. Quando se fala de boa pronúncia, fala-se também de Coimbra, porque foi nesta cidade que funcionou durante décadas, se não séculos, a praticamente única universidade do país. Tendo esta realidade em mente, falava-se da qualidade modelar do português de Coimbra, mas com certeza que não se considerava o português popular de Coimbra, o qual geralmente já apresenta características dos dialetos do português setentrional, como seja a chamada troca de "v" por "b" ou betacismo ("bento", em vez de vento). De facto, o que se tinha em linha de conta era o português dos estratos sociais mais elevados, económica, administrativa ou culturalmente, da população de Coimbra.
Apesar de tudo, há uma característica que hoje se mantém como característica da região de Coimbra, mesmo entre membros das elites: a conservação da vogal /e/ em espelho e coelho, ou seja, a conservação do e fechado antes de lh: "espêlho", "coêlho". Esta pronúncia tem hoje menos projeção em Portugal, mas parece manter-se à volta de Coimbra e mais para leste e sul, apesar da pronúncia lisboeta de espelho e coelho como "espâlho" e "coâlho", formas hoje de tal maneira difundidas, que acabaram por se tornar a pronúncia-modelo em Portugal. Outros traços desta variedade normativa: a conservação da pronunciação em separado (hiato) da sequência io em frio, tio ou rio, por oposição à modalidade lisboeta, em que se realiza o ditongo "iu" ("friu", "tiu", "riu").
1 Celso Cunha e Lindley Cintra (Nova Gramática do Português Contemporâneo, Edições João Sá da Cosya, 1984, p. 10) consideram que «os falantes comuns do português padrão europeu» são os falantes que seguem a norma, definida como «conjunto de usos linguísticos das classes cultas da região Lisboa-Coimbra, e que distinguirão pela fala um natural da Galiza, um homem do Norte e um homem do Sul».