O caso particular apresentado pelo consulente está relacionado com a colocação da vírgula no caso das orações subordinadas adverbiais causais e das orações coordenadas explicativas.
Em geral, podemos afirmar que, no âmbito das orações subordinadas adverbiais causais,
(i) a vírgula é usada quando a oração subordinada é colocada antes da subordinante:
(1) «Dado que a comida chegou, vamos almoçar.»
(ii) a vírgula é usada também nas situações em que a oração subordinada intercala a subordinante:
(2) «O João, porque se apercebeu da gravidade da situação, chamou os amigos.»
(iii) a vírgula é facultativa quando a oração subordinada adverbial causal é colocada após a subordinante:
(3) «O João chamou os amigos(,) porque se apercebeu da gravidade da situação.»
A opção de colocação da vírgula poderá, por exemplo, estar relacionada com uma intenção de focalizar a causa ou com a existência de uma relação mais frouxa entre a causa e a situação expressa na subordinante.
As frases apresentadas pelo consulente convocam ainda outra questão: a distinção entre orações coordenadas explicativas (doravante, designadas como explicativas) e orações subordinadas adverbiais causais (doravante, causais). Assim, as causais apresentam uma causa real para a situação descrita na subordinante:
(4) «Não veste com luxo porque o tio não era rico.»
Na frase (4), o facto de o tio não ser rico é a causa efetiva de alguém não se vestir com luxo.
As explicativas, por seu turno, não apresentam uma causa real, mas antes uma causa de dicto, ou seja, a oração explicativa apresenta uma explicação ou justificação para o que foi dito na oração anterior:
(5) «Ceamos à lareira, que a noite está fria.»
Em (5), a oração «que a noite está fria» apresenta uma justificação para a decisão/convite de/para «cear à lareira», não sendo plausível ser interpretada como a causa real desta ação.
As orações explicativas são precedidas de uma pausa entoacional que é assinalada por vírgula, pelo que este sinal de pontuação é obrigatório neste caso. Note-se que esta pausa pode não ocorrer com as subordinadas causais.
Disponha sempre!
Nota: Outros casos relacionados com o uso da vírgula podem ser estudados em Cunha e Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo. Ed. Sá da Costa, pp. 639-646 e também nas respostas relacionadas.
N.E. [27/01/2022] Alterou-se a resposta na frase (5), que passou a ter a redação «Ceamos à lareira, que a noite está fria.», pois esta foi a forma tida em consideração para a reflexão apresentada. No entanto, esclareça-se que a frase original, presente em O Malhadinhas, de Aquilino Ribeiro, é «Ceámos à lareira, que a noite estava fria», a qual integra uma oração subordinada adverbial causal.