1. Em Portugal, comemora-se o 25 de Abril, o dia em que há 46 anos se desencadeou a Revolução dos Cravos. Como todas as épocas de grande mudança, foi uma experiência coletiva intensa e até dolorosa, no propósito de instaurar um novo regime político que garantisse a liberdade de expressão, a participação cidadã e a justiça social. Compreende-se, pois, que a língua falada e escrita em Portugal guarde memória desses tempos, pela carga emocional ainda hoje associada a certas palavras, locuções e siglas como capitalismo, constituição, democracia, descolonização, greves, saneamentos, eleições, igualdade, manifestação, nacionalizações, parlamento, partido, povo, revolução, socialismo, sociedade sem classes, reação, reforma agrária, MFA, UCP, PREC, ELP ou PALOP.
Releia-se a Abertura de 25 de abril de 2014, que assinalou o 40.º aniversário do fim da ditadura do Estado Novo e da guerra colonial; e, na rubrica O Nosso Idioma, sugere-se a consulta de dois artigos à volta da história linguística do 25 de Abril: Palavras que nasceram com a década [1974-1984] (1984), de José Mário Costa, e O 25 de Abril no léxico português (2003), de Margarita Correia em 2003.
2. Em 2020, com a perspetiva da mudança de escala planetária prometida pela pandemia de covid-19, as comemorações do 25 de Abril relembram a necessidade de uma esperança. E, contornando os constrangimentos do estado de emergência, lança-se mão do avanço tecnológico e produzem-se conteúdos culturais comemorativos, para assim se organizarem festejos à distância, entre paredes confinantes, ou fazendo de cada varanda as praças públicas ainda vazias. Entre muitas iniciativas, mencionem-se, por exemplo:
– a realização do documentário Agora Que Não Podemos Estar Juntos, um desafio lançado pelo primeiro-ministro português, impossibilitado de acolher a celebração na sua residência oficial como costuma, aos diretores artísticos dos teatros nacionais de São Carlos, São João e D. Maria II, bem como da Companhia Nacional de Bailado. Vide aqui e aqui.
– o programa de atividades "dentro de portas" que, em Lisboa, até 30 de abril, propõe a empresa municipal de animação cultural – a Empresa de Gestão de Equipamentos e Animação Cultural;
– a disponibilização nas redes sociais, de 24 a 29 de abril, dos testemunhos completos dos presos políticos e dos académicos que participaram na curta-metragem documental Museu da Vergonha, de Luís Monteiro e José Machado de Castro;
– o programa virtual que promove a Câmara Municipal de Grândola, vila alentejana a que o cantautor José Afonso (1929-1987) rendeu homenagem com "Grândola, Vila Morena" (do álbum Cantigas do Maio, de 1971), a composição mais emblemática da Revolução;
– e, confirmando esse valor simbólico, a Associação 25 de Abril, lança no Facebook o apelo Solta a Grândola que há em ti, e chama os portugueses a cantarem, no sábado às 15h00, “às janelas ou às varandas”, a canção “Grândola Vila Morena” (mais informação aqui e áudio com letra completa aqui).
Justifica-se igualmente uma chamada de atenção para o vídeo do comentário de Penelope Curtis, diretora do Museu Calouste Gulbenkian (cf. página de Facebook, 21/04/2020), em Lisboa, a respeito de duas obras da coleção deste museu. Uma delas, contemporânea dos acontecimentos de há 46 anos, é o quadro «Encontro de Natália Correia com Fernanda Botelho e Maria João Pires» (na imagem à direita), do pintor português Nikias Skapinakis (1931), comentada em confronto com «Retrato de Mademoiselle Duplant», de François-André Vincent (1746-1716). São de algum modo tocantes as palavras de Curtis no final: «Podemos dizer que a pintura portuguesa está a olhar para o futuro que poderá vir depois de 1974. Este é um momento de mudança para elas [as pessoas retratadas], e todos nós sentimos que este [o que se vive em 2020] será um momento de mudança sem precedentes para nós também.»
3. Na rubrica O nosso idioma, o glossário "O léxico da covid-19" recebe novas entradas: crianças (o que fazer com a sua impaciência em confinamento?), humor (bem necessário para suportar a situação), poluição (cujo nível parece ter descido), tráfego aéreo (que diminuiu drasticamente), relaxamento (das medidas de emergência) e relevância (de várias classes profissionais no combate à propagação do vírus e à doença). A propósito da situação no Brasil e da atuação desconcertante do seu presidente, refiram-se ainda dois neologismos recolhidos das crónicas do jornalista João Almeida Moreira, que, no Brasil é correspondente do Diário Notícias (ler aqui e aqui): bolsonaristão, em referência (crítica) ao interior do estado de São Paulo, onde Bolsonaro encontra fortíssima base apoio eleitoral (ver também vídeo do canal Estúdio Fluxo do Youtube); e bolsonique, «apoiante radical de Bolsonaro» (cf. aqui), cuja formação ressoa a outros termos acabados em -ique, terminação de origem russa que se encontra em bolchevique e menchevique, palavras de tempos antigos e nem por isso menos favoráveis a sectarismos (cf. Dicionário Houaiss). Para mais registos destas e doutras palavras usadas em referência à presidência de Jair Bolsonaro, ouvir aqui, aqui e aqui.
4. Uma nota da atualidade igualmente com pertinência para "O léxico da covid-19": a deteção de mais de uma centena de pessoas infetadas num hostel lisboeta (cf. Expresso, 22/04/2020; ver também aqui). Recorde-se que, apesar de se tratar de um anglicismo, em princípio dispensável por a língua já disponibilizar termos como pensão, albergue ou hospedagem, a verdade que é que hostel – palavra aguda, com acento tónico na sílaba -tel – faz hoje parte da nomenclatura que em Portugal se emprega oficialmente para identificar certo tipo de alojamento hoteleiro, conforme já se explicou numa resposta anterior.
5. Ao Consultório regressa a análise das orações explicativas, a par de outros tópicos: que significa o galeguismo deda? a expressão «à prestação» usa-se em Portugal?»; no complexo verbal «está por vir» ocorre algum auxiliar? A expressão «de braço dado» tem plural?
6. Ainda na rubrica O nosso idioma, transcrevem-se com a devida vénia dois textos: à volta da morte e dos eufemismos que a denotam, um artigo da jornalista Rita Cipriano, que o assinou no jornal digital Observador (12/06/2016); e, sobre a etimologia do nome mundo, um apontamento do professor João Nogueira da Costa (Facebook, 19/11/2018).
7. Como se tem referido nestas páginas, entre as medidas de contenção do novo coronavírus em Portugal, conta-se a suspensão das atividades letivas do 1.º ao 9.º ano, com a consequência de as escolas funcionarem na modalidade de ensino à distância. Sobre o #EstudoEmCasa, o projeto televisivo que visa complementar tais atividades e suprir eventuais carências de equipamento e recursos informáticos, são de registar, no debate parlamentar de 22/04/2020, as intervenções do primeiro-ministro António Costa, que considerou essencial assegurar no próximo ano letivo a universalidade do acesso a plataformas digitais, de modo a evitar «que o próximo ano letivo seja a continuação do final do segundo e terceiro período deste ano letivo». Mais sublinhou que «[...] como vamos ter de conviver ao longo de todo o próximo ano letivo, com o vírus e provavelmente sem vacina e sem terapia, temos de estar preparados para não sermos outra vez surpreendidos pelo imprevisto que este ano existiu», acrescentando: «A escola nunca mais será aquilo que foi. Será certamente uma escola mais digital»
Assinale-se que, não obstante as universidades e instituos politécnicos terem também interrompido as aulas presenciais, foi publicado o calendário de acesso ao ensino superior, com arranque previsto para agosto do presente ano (ler notícia aqui).
8. Dois episódios da 10.ª e última série do magazine Cuidado com a Língua! – em reposição na televisão pública portuguesa – passam na RTP 2: no sábado, dia 25/04, às 20h25*, tudo decorre numa tipografia, à volta das muitas palavras e expressões alusivas à arte de imprimir livros, revistas ou folhetos. No dia seguinte, faz-se uma viagem pelos bastidores da escola de circo do Chapitô, em Lisboa. E, na RTP 1, o programa que passa no dia 28/04, às 14h30* – com repetição no dia 3 de maio, à 06h15*e depois na RTP Internacional – aborda o campo lexical das lareiras. Mais informação aqui.
*Hora oficial de Portugal continental, ficando este o episódio disponível depois também na RTP Play, aqui.
9. Nos programas produzidos pela Associação Ciberdúvidas da Língua Portuguesa para a rádio pública portuguesa são temas principais: no Língua de Todos, transmitido pela RTP África em 24 de abril, pelas 13h20* (programa repetido no sábado, dia 25 de abril, depois do noticiário das 09h00*), o léxico da covid-19, abordado numa entrevista à linguista e colaboradora do Ciberdúvidas Carla Marques ; e no Páginas de Português, emitido na Antena 2, em 26 de abril, pelas 12h30* (repetição no sábado, dia 2 de maio, às 15h30*), o escritor brasileiro Rubem Fonseca, recentemente falecido, e o projeto “Estudo em Casa".
* Hora oficial de Portugal continental, ficando ambos os programas disponíveis posteriormente aqui e aqui.
10. Referência final para o início o Ramadão, o nono mês do calendário islâmico, no qual a maioria dos muçulmanos pratica jejum ritual. Este ano, porém, com algumas diferenças: não será possível ir a Meca, na Arábia Saudita, nem rezar na mesquita, nem fazer a reunião para quebra de jejum quando o sol se põe (cf.notícia).
A este propósito, recordamos alguns textos aqui publicados relacionadas com o tema: «Palavras referentes aos Islão», «Ainda o termo islamista»,«Islâmico vs. islamita», «A barafunda entre ilsmistas e islamitas», «Islão também com acepção étnica», «As datas históricas pós-acordo ortográfico», «Sobre o uso da maiúsculas e de minúsculas», «A origem do nome Aida».