DÚVIDAS

Orações relativas, orações explicativas e coordenação

Com referência à consulta de 17/4/2020, cuja resposta circunstanciada abordou elegantemente as sutilezas sintáticas que envolvem a frase examinada, vejo-me forçado a retomar o assunto para aclarar um ponto restante de sombra.

Aqui, o período: «Anda por retos caminhos, que assim vais plasmar tua integridade e a virtude será teu brasão.»

Assumindo, como foi aventado na resposta, que a terceira oração ("e a virtude será teu brasão") é passível de ser considerada subordinada (consecutiva, no caso), seria ela subordinada a qual oração subordinante? À primeira? À segunda? Ou a ambas, que assim formariam um grupo semântico, cuja consequência é exposta na terceira?

Eis o que eu gostaria de saber. Com antecipados agradecimentos.

Resposta

A resposta à questão colocada pelo consulente exige que estabeleçamos uma clara distinção entre dois planos de análise: o sintático e o semântico (e pragmático).

Formalmente, no plano sintático, as orações introduzidas por que são duas orações coordenadas, sendo o constituinte «e a virtude será o teu brasão» uma oração coordenada copulativa.

Não obstante, a interpretação associada à conjunção e pode ser muito variada, indo da simples adição (1) ao valor adversativo (2), à sequência temporal (3) ou ao conclusivo (4)1, entre outros:

(1) «Eu comi uma maçã e tu bebeste um sumo.»

(2) «Trabalhei imenso e não consegui entregar o trabalho.» (= mas)

(3) «Levantou-se e foi tomar banho.» (= depois disso)

(4) «Está doente e não vai entregar o trabalho.» (= por isso, portanto)

Este último valor (também designado inferencial) é descrito por Faria da seguinte forma: «As conexões inferenciais exprimem um argumento lógico. Pertencem a este tipo de conexões coordenativas em que o conteúdo proposicional do segundo membro coordenado é inferível a partir do primeiro, apresentado como razão ou motivo» (in Mira Mateus et al. Gramática da Língua Portuguesa. Caminho, p. 97).

 

Ora, no caso em apreço, também poderemos considerar a possibilidade de uma interpretação na qual a oração «vais plasmar tua integridade» é apresentada como a causa que terá como consequência «a virtude será teu brasão»:

(5) «vais plasmar tua integridade e (assim / consequentemente) a virtude será teu brasão.»

Estamos, todavia, no plano da interpretação do valor da conexão estabelecida pela conjunção e, pelo que não há lugar a considerar a possibilidade de uma construção de subordinação.

Agradecendo as gentis palavras do consulente, fico à disposição!

 

1. Para maior desenvolvimento, cf. Matos e Raposo in Raposo et al., Gramática do Português. Fundação Calouste Gulbenkian, pp. 1792-1794.

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