1. Celebra-se hoje, 22 de abril, o 50.º aniversário do Dia Mundial da Terra, data reconhecida pela ONU apenas em 2009, mas comemorada desde 1970. Neste dia, várias vozes, entre as quais se destaca António Guterres, secretário-geral das Nações Unidas, vêm recordar que, embora viva em grave situação pandémica, o planeta não deixa de estar ameaçado pela crise ambiental nem de se encontrar em situação de emergência climática. Por essa razão, várias iniciativas serão dinamizadas em plataformas digitais, reiterando a importância fulcral de preservar os recursos naturais do planeta, o «único lugar onde podemos viver», como afirmava Carl Sagan. Também os poetas, desde sempre, nos mostraram a beleza ímpar deste nosso mundo que temos de manter a salvo. Recordemos, a este propósito, as palavras de Alberto Caeiro, heterónimo de Fernando Pessoa, que deixa um hino à importância de saber ver a beleza do mundo:
DA MINHA ALDEIA
Da minha aldeia vejo quanto da terra se pode ver no Universo...
Por isso a minha aldeia é tão grande como outra terra qualquer
Porque eu sou do tamanho do que vejo
E não do tamanho da minha altura...
Nas cidades a vida é mais pequena
Que aqui na minha casa no cimo deste outeiro.
Na cidade as grandes casas fecham a vista à chave,
Escondem o horizonte, empurram o nosso olhar para longe
de todo o céu,
Tornam-nos pequenos porque nos tiram o que os nossos olhos
nos podem dar,
E tornam-nos pobres porque a nossa única riqueza é ver.
Sobre esta efeméride recordamos um conjunto de respostas que envolvem a palavra terra: «Terra, em latim», «A grafia de mãe-terra», «Terra aquosa», «Pouca terra, pouca terra», «Terra/terra» e o artigo que nos conta sobre uma pandemia noutro século e a importância do isolamento: «Por toda a terra era este mal tão geral».
2. Nesta nova atualização do Consultório, tratamos questões relacionadas com dois advérbios. Um de sabor vetusto que ecoa em textos longínquos como os do dramaturgo quinhentista Gil Vicente: o advérbio samicas. Reconhecido pelo seu sentido equivalente a «talvez», ficou imortalizado na fala do Parvo do Auto da Barca do Inferno, quando definiu desta forma a sua existência quase inexistente: «Samicas alguém». A dúvida agora colocada procura saber se samicas pode ter um uso nominal. Mais recente, e mais próprio do registo informal e oral, é o advérbio né, resultante da contração da expressão «não é?», que oferece dúvidas sobre os contextos de uso e sobre a classe de pertença. Uma outra questão centra-se na determinação da necessidade de acentuar as formas da 1.ª pessoa do plural do pretérito perfeito do indicativo para as distinguir das do presente na mesma pessoa e número. A correção está também na base da questão sobre a admissibilidade da construção «mais do que o que era» e de uma outra sobre a grafia correta do adjetivo sináptico.
3. O verbo haver é frequentemente maltratado tanto no registo oral como no escrito. Desta feita, no Pelourinho, a partir de um título jornalístico com uma forma errada do verbo, lembramos, mais uma vez, que, com o sentido de «existir», este é defetivo e que flexiona apenas na 3.ª pessoa do singular, alertando para o cuidado que se deve ter com a língua portuguesa.
4. O léxico da covid-19 continua a crescer, dando conta das novas realidades associadas quer à terceita fase do estado de emergência em Portugal quer aos planos de relaxamento das medidas restritivas impostas aos cidadãos. Na nova atualização, poderão ser consultadas entradas como gel, pós-covid, relaxamento, restrições, tratamento, entre outras.
5. Expressões como «céu da boca», «chá de limão» ou «dente de alho» já integraram de forma tão natural o nosso universo lexical que nos esquecemos que resultam de um processo de catacrese, ou seja, de um uso impróprio ou abusivo que assenta numa metáfora desgastada, como nos recorda neste apontamento o professor João Nogueira Costa.
6. A situação de confinamento em que vivem muitos cidadãos do mundo inteiro veio agravar as assimetrias sociais já existentes. As crianças e jovens em idade escolar são particularmente afetados quando veem o acesso à aprendizagem limitado por falta de meios informáticos ou por não terem acesso à internet. O recurso à televisão como meio de difusão dos conhecimentos tem sido apontado como uma forma de reduzir as desigualdades. Em Portugal, a solução foi já adotada com o desenvolvimento do projeto #EstudoEmCasa, transmitido pela RTP Memória e destinado a alunos até ao 9.º ano de escolaridade. A propósito das aulas em Portuigal, foi também divulgado que o primeiro-ministro António Costa decidirá se os alunos do 11.º e 12.º anos regressarão às aulas presenciais no próximo dia 30 de abril (notícia). A UNESCO apontou também esta como uma solução para reduzir as desigualdades extremas que se verificam em São Paulo, no Brasil (notícia). Não obstante, esta solução não se oferece como a ideal. Veja-se, no caso português, as críticas endereçadas às primeiras emissões, cujos conteúdos foram considerados superficiais e aquém das capacidades dos alunos. Por outro lado, também o uso da Internet viu o mundo de perigos que traz consigo crescer com o aumento do tempo de utilização que se verifica em confinamento. Neste âmbito, a UNICEF veio divulgar cinco dicas que ajudam pais e tutores na tarefa de garantir a segurança dos seus. Por fim, ainda no âmbito das implicações do isolamento social, o Ministério da Educação português veio já informar que é possível proceder à matrícula no próximo ano letivo sem necessidade de deslocação à escola (cf. notícia).
7. O isolamento tem desencadeado novas formas de arte e tem estimulado a criatividade artística. Entre os diversos projetos existentes, destacamos hoje o «Bode Inspiratório», que divulga todos os dias o capítulo de um folhetim «à moda antiga», escrito por diferentes escritores em isolamento que se associaram à ideia. Neste momento, estão já mais de quarenta envolvidos, tendo a iniciativa começado com Mário de Carvalho.
8. Os programas produzidos pela Associação Ciberdúvidas da Língua Portuguesa para a rádio pública portuguesa serão difundidos no horário habitual: o programa Língua de Todos passa uma entrevista à linguista e colaboradora do Ciberdúvidas Carla Marques sobre o léxico covid-19 (no dia 24 de abril, pelas 13h20*, sendo repetido no sábado, dia 25 de abril, depois do noticiário das 09h00*); e o Páginas de Português evoca o escritor brasileiro Rubem Fonseca, recentemente falecido, e entrevista a diretora-geral adjunta da Educação Eulália Alexandre sobre o projeto “Estudo em Casa" (com emissão a 26 de abril, pelas 12h30* e repetição no sábado, dia 2 de maio, às 15h30*).
* Hora oficial de Portugal continental, ficando ambos os programas disponíveis posteriormente aqui e aqui.