Os chamados atratores de próclise1 só afetam os pronomes átonos (também chamados clíticos) que estão mais próximos.
Quando se trata de construções de auxiliar + verbo principal no infinitivo (p. ex., vai aproximar-se) ou verbo principal + oração com verbo no infinitivo (p. ex., deseja aproximar-se), os chamados atratores de próclise1 só afetam os pronomes que estão ou podem estar ligados ao verbo auxiliar ou aos verbos principais:
1. Nunca vai aproximar-se.
2. Nunca se vai aproximar.2
Em 1, o advérbio nunca não afeta o pronome átono (clítico) se que está associado ao verbo principal (aproximar-se). Contudo, em 2, já exerce a sua atração, porque o clítico se está associado ao auxiliar, como comprova a afirmativa equivalente: «vai-se aproximar» > «nunca se vai aproximar».
No caso de verbos como desejar ou dignar-se (podendo este último ter preposição ou não), seguidos de uma oração com o verbo no infinitivo, também o advérbio nunca e as palavras de comportamento semelhante só têm ação sobre os clíticos que apareçam associados a esses verbos (o ? assinala problemas de aceitabilidade):
3.a. Nunca desejou aproximar-se.
b. ?Nunca se desejou aproximar.3
5. a Nunca se dignou aproximar-se.
b. ?Nunca se dignou se aproximar.
Observe-se que o verbo dignar-se pode ocorrer com preposição a ou de (cf. J. Malaca Casteleiro, Dicionário de Verbos Portugueses, Lisboa, Texto Ediotra, 2007, s.v. dignar-se):
6. a. Nunca se dignou de aproximar-se.
b. Nunca se dignou a aproximar-se.
c. Nunca se dignou de se aproximar.
d. ?Nunca se dignou a se aproximar.
Em 6a e 6b, observa-se que nunca só atrai o clítico ligado a dignar; o se associado a aproximar não se desloca na frase, donde se infere que nunca não tem alcance sobre o pronome. Quanto às frases 6c e 6d, em que o se de aproximar-se precede o verbo, não se deve esta deslocação à atração de nunca. Em 6c e 6d, são as preposições (e não o advérbio nunca) que funcionam como atratores de próclise nas orações de infinitivo que introduzem; daí a possibilidade de próclise nessas orações. Mesmo assim, se, em 6c, é de que atrai o pronome, sem restrições gramaticais, tal como acontece com o uso auxiliar de ter de («tenho de me aproximar»), já em 6d, a preposição a revela dificuldade em atrair o clítico de aproximar-se, o que leva a preferir a frase 6b como bem formada.
Em síntese, numa frase em que ocorra a sequência de dois verbos, cada um conjugado pronominalmente (p. ex. «dignar-se aproximar-se»), só o primeiro será afetado pela palavra que, estando eventualmente à cabeça da frase principal, determina a próclise: «Nunca se dignou aproximar-se»).
1 Atratores de próclise são palavras pré-verbais que fazem com que os pronomes átonos (também chamados clíticos) passem a ocupar uma posição igualmente pré-verbal (próclise). Por exemplo, se à frase «ele enganou-se» se juntarem em posição inicial os advérbios só ou apenas, que são atratores de próclise, o pronome se passa a figurar imediatamente antes do verbo: «só/apenas ele se enganou». O mesmo acontece com o advérbio de negação não: «ele não se enganou». Consultar os Textos Relacionados.
2 Nas variedades brasileiras do português é possível «nunca vai se aproximar». Sobre a coloção dos clíticos no português do Brasil, leia-se "A colocação dos pronomes átonos".
3 É possível que alguns falantes aceitem «nunca se desejou aproximar», uma vez que é gramatical o uso homólogo de querer: «nunca se quis aproximar». Leia-se "O pronome átono com auxiliar + verbo principal".