DÚVIDAS

A atração pronominal numa frase com dois verbos pronominais

A minha pergunta pode ser simples, mas é para mim uma dor de cabeça, e já tentei, sem sucesso, pesquisar a resposta. É a seguinte:

Os atratores da próclise atraem todos os clíticos da frase, ou apenas o mais próximo? Exemplo, qual destas frases seria correta:

a) «Nunca se dignou a aproximar-se», ou b) «Nunca se dignou a se aproximar»?

Qual destas é a correta?

Desde já agradeço a vossa colaboração!

Resposta

Os chamados atratores de próclise1 só afetam os pronomes átonos (também chamados clíticos) que estão mais próximos.

Quando se trata de construções de auxiliar + verbo principal no infinitivo (p. ex., vai aproximar-se) ou verbo principal + oração com verbo no infinitivo (p. ex., deseja aproximar-se), os chamados atratores de próclise1 só afetam os pronomes que estão ou podem estar ligados ao verbo auxiliar ou aos verbos principais:

1. Nunca vai aproximar-se.

2. Nunca se vai aproximar.2

Em 1, o advérbio nunca não afeta o pronome átono (clítico) se que está associado ao verbo principal (aproximar-se). Contudo, em 2, já exerce a sua atração, porque o clítico se está associado ao auxiliar, como comprova a afirmativa equivalente: «vai-se aproximar» > «nunca se vai aproximar».

No caso de verbos como desejar ou dignar-se (podendo este último ter preposição ou não), seguidos de uma oração com o verbo no infinitivo, também o advérbio nunca e as palavras de comportamento semelhante só têm ação sobre os clíticos que apareçam associados a esses verbos (o ? assinala problemas de aceitabilidade):

3.a. Nunca desejou aproximar-se.

   b. ?Nunca se desejou aproximar.3

5. a Nunca se dignou aproximar-se.

    b. ?Nunca se dignou se aproximar.

Observe-se que o verbo dignar-se pode ocorrer com preposição a ou de (cf. J. Malaca Casteleiro, Dicionário de Verbos Portugueses, Lisboa, Texto Ediotra, 2007, s.v. dignar-se):

6. a. Nunca se dignou de aproximar-se.

    b. Nunca se dignou a aproximar-se.

    c. Nunca se dignou de se aproximar.

    d. ?Nunca se dignou a se aproximar.

Em 6a e 6b, observa-se que nunca só atrai o clítico ligado a dignar; o se associado a aproximar não se desloca na frase, donde se infere que nunca não tem alcance sobre o pronome. Quanto às frases 6c e 6d, em que o se de aproximar-se precede o verbo, não se deve esta deslocação à atração de nunca. Em 6c e 6d, são as preposições (e não o advérbio nunca) que funcionam como atratores de próclise nas orações de infinitivo que introduzem; daí a possibilidade de próclise nessas orações. Mesmo assim, se, em 6c, é de que atrai o pronome, sem restrições gramaticais, tal como acontece com o uso auxiliar de ter de («tenho de me aproximar»), já em 6d, a preposição a revela dificuldade em atrair o clítico de aproximar-se, o que leva a preferir a frase 6b como bem formada. 

Em síntese, numa frase em que ocorra a sequência de dois verbos, cada um conjugado pronominalmente (p. ex. «dignar-se aproximar-se»), só o primeiro será afetado pela palavra que, estando eventualmente à cabeça da frase principal, determina a próclise: «Nunca se dignou aproximar-se»).

1 Atratores de próclise são palavras pré-verbais que fazem com que os pronomes átonos (também chamados clíticos) passem a ocupar uma posição igualmente pré-verbal (próclise). Por exemplo, se à frase «ele enganou-se» se juntarem em posição inicial os advérbios ou apenas, que são atratores de próclise, o pronome se passa a figurar imediatamente antes do verbo: «/apenas ele se enganou». O mesmo acontece com o advérbio de negação não: «ele não se enganou». Consultar os Textos Relacionados.

2 Nas variedades brasileiras do português é possível «nunca vai se aproximar». Sobre a coloção dos clíticos no português do Brasil, leia-se "A colocação dos pronomes átonos".

3 É possível que alguns falantes aceitem «nunca se desejou aproximar», uma vez que é gramatical o uso homólogo de querer: «nunca se quis aproximar». Leia-se "O pronome átono com auxiliar + verbo principal".

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