A colocação do pronome é um dos aspectos em que há divergências entre a variante de português que se fala em Portugal e que os linguistas, por convenção, chamam português europeu (PE) e a que se fala no Brasil, pela mesma convenção designada português do Brasil (PB). Pelas suas dúvidas, prezado consulente, é fácil concluir que tem acesso a diversas obras escritas nas duas variantes, o que o leva a sentir dúvidas.
No português do Brasil é já hoje reconhecido como norma o uso generalizado da próclise, ou seja, da colocação do pronome antes do verbo. Deste modo, o consulente nunca errará se assim proceder.
No entanto, na qualidade de escritor, poderá sempre optar por um estilo mais tradicional, ou dar voz a uma personagem portuguesa e, nesse caso, precisa de conhecer o que era há algumas décadas norma no Brasil e o que continua a ser em Portugal. Assim, a norma portuguesa aceita como regra a colocação do pronome depois do verbo. Quando esse verbo está no futuro do indicativo ou no condicional, em vez de ficar no final fica no meio:
Veria – vê-lo-ia
Verá – vê-lo-á
A par desta regra geral, há um conjunto de palavras, ou situações, que, se utilizadas na frase, implicam a passagem do pronome para antes do verbo. São elas:
1 – Alguns advérbios: bem, mal, ainda, já, talvez, apenas, também, não, sempre, só, etc.
Ex.: «Vê-se alguma coisa». «Sempre se vê alguma coisa».
2 – Inclusão no sujeito de um indefinido ou da forma ambos:
Ex.: «Viram-no». «Ambos o viram».
3 – Conjunções subordinativas:
Ex.: «Vi-te, mas já era tarde». «Quando te vi já era tarde».
4 – Conjunção coordenativa disjuntiva (ou alternativa) ou, quando correlata:
Ex.: «Ou levas o livro ou o deixas».
5 – Frases em que o complemento/objecto directo ou o predicativo do sujeito vem antes do verbo (frase na ordem inversa):
Ex.: «Isso te digo eu».
Razoável lhe parecia a situação.
Passemos à análise das frases que submete à nossa apreciação. A indicação que segue cada uma das hipóteses é dada com base na norma em vigor quer no Brasil, quer em Portugal. Isso não impede que, quando se associa uma dada estrutura ao português europeu (através da sigla PE), ela surja no português do Brasil. Significa, tão-somente, que essa estrutura no Brasil é vista como conservadora. Do mesmo modo em Portugal se encontram muitos exemplos em que o pronome é aplicado como é norma no Brasil. Em Portugal esse facto é considerado inovador e não é aceite pela norma culta.
«E lhe darei toda a eternidade.» PB
«E dar-lhe-ei toda a eternidade.» PE
«E eu lhe darei toda a eternidade.» PB e PE (frase que pode ser considerada enfática, pelo uso do pronome pessoal sujeito)
«O carroceiro partia para a capital e lhe prometera um emprego.» – PB (ou «prometera-lhe»? – PE).
«Sua mãe não gostou do comentário, e o repreendeu.» – PB (ou «repreendeu-o»? – PE).
«Apenas pressentia-as, como flutuações sensitivas, as quais se tornavam cada vez mais densas e nítidas.»
Observações:
1.ª «pressentia-as»: forma inadequada nas duas variantes; o correcto é as pressentia; no Brasil porque não obedece à regra geral, em Portugal devido à presença do advérbio apenas.
2.ª «se tornavam» – forma correcta nas duas variantes no Brasil porque obedece à regra geral, em Portugal devido à presença do pronome relativo as quais; «as quais tornavam-se»? – Forma
inadequada em Portugal e aceite no Brasil.
«A vida no vilarejo se lhe tornava cada vez mais chata.» – PB (ou «tornava-se-lhe?» – PE).
«O modelo de humanidade, que se lhe apresentava em Pindorama.» – forma correcta nas duas variantes no Brasil porque obedece à regra geral, em Portugal devido à presença do pronome relativo que.
«Os olhos do livreiro arregalaram-se.» – PE (ou «se arregalaram»? – PB).
«Teve vários amigos, mas, ao longo dos anos, um a um ia se distanciando, cada qual sendo substituído por outro que também acabava se distanciando.»
Observações:
1.ª «um a um iam se distanciando» – creio que é mais correcto usar o verbo no plural, pois o sujeito é vários amigos, sendo um a um o modo como o distanciamento ocorreu. Quanto à posição do clítico, este exemplo é muito interessante, pois estamos perante uma locução verbal, que implica algumas variações na colocação do pronome. No Brasil, as hipóteses são três: antes de toda a expressão verbal, antes do verbo principal, como está, ou ligada, por ênclise, ao auxiliar. Em Portugal, neste exemplo concreto, a expressão um a um implica a vinda do pronome para o início da expressão verbal: um a um se iam distanciando.
2.ª: «que também acabava se distanciando» – PB. Em PE, em expressões como esta, não é muito comum o uso do gerúndio. Deste lado do Atlântico preferir-se-ia uma estrutura do tipo «que também acabava por se distanciar.»