Se há nome que se confunde com a língua portuguesa é o de Camões, poeta renascentista, unanimemente considerado o expoente máximo das letras lusófonas. A sua importância extravasa, nos tempos atuais, o contexto literário, estando igualmente presente no campo cultural e linguístico. É a ele que se devem algumas das expressões mais emblemáticas do português e que, ainda hoje, ecoam no meio da azáfama quotidiana de muitos dos seus falantes, como por exemplo, «mudam-se os tempos, mudam-se as vontades».
Porém, se uma grande parte da sua obra é atualmente conhecida em praticamente todos os cantos do mundo, a vida que teve é, em certa medida, ainda bastante misteriosa, o que contribuiu para a criação de uma imagem lendária de poeta miserável e infeliz no amor. Crê-se que poderá ter nascido entre os anos de 1524 e 1525, significando isto que o seu nascimento estará a perfazer quinhentos anos, razão para que, uma vez mais, os falantes do idioma comummente conhecido pelo seu nome o celebrem. E comemorar Camões é, acima de tudo, enaltecer a sua obra e a sua língua.
Dos vários textos que Camões deixou, aquele que praticamente todos os falantes de português associam quase automaticamente ao seu nome é o poema épico Os Lusíadas, obra que narra a descoberta do caminho marítimo para a Índia por Vasco da Gama, ao mesmo tempo que descreve a história dos portugueses, herói coletivo desta epopeia. No entanto, Os Lusíadas não se cingem ao relato das aventuras dos descendentes dos lusitanos «por mares nunca de antes navegados», sendo também um texto que permite a oportunidade de olhar o mundo, de pensar sobre Portugal e sobre a língua que estes navegadores acabaram por difundir por vários lugares.
Atualmente, a língua de Camões (ou português) tem expressão mundial, sendo falada por mais de 260 milhões de pessoas e alcançando a posição de quarta língua mais falada do mundo, a seguir ao mandarim, inglês e espanhol. Muito provavelmente o próprio Camões não imaginaria que o idioma que cultivou tivesse, nos dias de hoje, uma grande diversidade de uso, a nível do léxico, da sintaxe, sem esquecer as suas sonoridades.
E como declamam os falantes de português do século XXI os versos d’Os Lusíadas? Que diferenças existem na entoação e na pronúncia de, por exemplo, «As armas e os barões assinalados»?
Alguns alunos do Iscte – Instituto Universitário de Lisboa tentaram responder ao desafio do Ciberdúvidas e demonstraram as variações que, muitas vezes, existem, por exemplo, na forma como se pronuncia este primeiro verso da epopeia. É curioso observar que nem todos o recordam de forma rigorosa. Há quem o faça corretamente e conforme a edição de 1572, mas há também aqueles que usam estratégias métricas que nem sempre vão ao encontro daquilo que foi exatamente escrito por Camões. Existe quem opte por abrir o primeiro artigo definido do verso quando declama «As armas» e, noutro plano, há quem omita o artigo definido o e diga apenas barões e não «os barões». Tanto a memória como o ouvido parecem ser agentes corrosivos do primeiro verso da nossa epopeia maior.
No fundo, este vídeo rodado pelos vários cantos desta instituição pretende exemplificar a forma singular que cada português tem de usar a língua, ao mesmo tempo que se recorda a figura de Luís Vaz de Camões.
Cf. Camões — uma poética de conjecturas + Cinco mistérios sobre Camões + «Se [Camões] durasse eternamente, ninguém mais escrevia» + Retratos de Camões + O ensino de Camões continua refém da sua “versão oficial” + O rei que amava os livros (e Camões) + A biografia de Camões, o poeta a quem foi diagnosticada ingratidão + Camões — uma poética de conjecturas + Cinco mistérios sobre Camões + «Se [Camões] durasse eternamente, ninguém mais escrevia» + Retratos de Camões + O ensino de Camões continua refém da sua “versão oficial” + O rei que amava os livros (e Camões) + A vida extraordinária do mais genial poeta português. Luís de Camões foi viajante, soldado, boémio. + A biografia de Camões, o poeta a quem foi diagnosticada ingratidão + O Jovem Camões em Coimbra + A Atribulada Vida de Luís de Camões + Camões, o Príncipe dos Poetas + Luís de Camões, o poeta que cedo ganhou contornos de mito, acabou mesmo sem ter «um lençol com que se cobrir»? + «Camões não ficou agarrado ao seu tempo. O que ele diz ainda ecoa» + A vida atribulada de Luís de Camões