Tal como em todo o texto de Os Lusíadas, o episódio «Despedidas de Belém» é rico em figuras de estilo/recursos estilísticos, de que são exemplo os seguintes:
— enumeração — na apresentação sucessiva de vários elementos, como se pode verificar nas seriações «Uns por amigos, outros por parentes, / Outros por ver somente» (est. 88, vv. 2-3), «As mulheres (…), / Os homens (…)» /«Mães, Esposas, Irmãs» (est. 89, vv.5,4,5) — e, também, o assíndeto, uma vez que é usado o processo de encadeamento do enunciado em que as estruturas de palavras se sucedem sem conjunção coordenativa, evidenciando o cuidado em manter a independência de «Uns», «Outros» e «Outros», assim como das «mulheres» e dos «homens», das «Mães», das «Esposas» e das «Irmãs», por força das pausas rítmicas;
— a anáfora, presente na repetição da expressão «outros por» — para fazer sobressair a quantidade e a variedade de pessoas e de razões que as levaram a assistir à partida das naus —, na repetição de «Qual» — «Qual vai dizendo»(est. 90, v. 1), «Qual em cabelo» (est. 91, v. 1) — que, por se tratar da repetição de uma palavra no princípio dos versos ou das estâncias, também se pode designar por epanáfora —, assim como na repetição da conjunção «Nem a Mãe, nem a Esposa» (est. 93, v. 2) e, também, do determinante possessivo «Nosso» em «Nosso amor, nosso vão contentamento» (est. 91, v. 7), recurso usado para realçar o que se repete;
— o pleonasmo em «saudosos na vista» — pois há aqui a reiteração da ideia, uma vez que só se tem saudade de quem não está perto, de quem não se vê —, em «velhice minha» (est. 90, v. 3), em «funéreo enterramento» (est. 90, v. 7), «piadosa humanidade» (est. 92, v. 2), «propósito firme» (est. 93, v. 3);
— a inversão ou anástrofe, na alteração da ordem directa das palavras, procurando dar realce à palavra que inicia a expressão, como se pode ver em «virtuosa companhia» (est. 88, v. 5), «a Deus orando, / Pera os bateis viemos caminhando.» (est. 88, vv. 7-8), «Por perdidos as gentes nos julgavam» (est. 89, v. 2), «velhice minha» (est. 90, v. 3), «que viver possa» (est. 91, v. 2), «a branca areia as lágrimas banhavam» (est. 92, v. 7), «Por nos não magoarmos» (est. 93, v. 3), «é de amor usança boa / A quem se aparta, ou fica, mais magoa» (est. 93, vv. 7-8);
— a hipálage presente em «caminho (…) duvidoso» (est. 89, v. 1), em «choro piedoso» (est. 89, v. 3), em «temeroso Amor» (est. 89, vv. 5-6), «frio medo» (est. 89, v. 7), pois atribui-se ao caminho, ao choro, ao amor e ao medo qualidades, sentimentos, características que pertencem às gentes (mulheres, mães, esposas e irmãs) expressas nessa estrofe;
— a apóstrofe, presente no discurso da mãe da estrofe 90 — «Ó filho» — e da esposa da estrofe 91, quando se dirige ao seu marido — «Ó doce e amado esposo»;
— a metáfora em «suspiros que arrancavam» (est. 89, v. 4), «nosso amor (…), /quereis que com as velas leve o vento?» (est. 91, vvv. 7-8);
— a perífrase, ao utilizar um longo discurso — em «a fazer o funéreo enterramento / Onde sejas de pexes mantimento» (est. 90, vv. 7-8) — para se referir à morte no mar —, «os velhos e os mininos (…), / em quem menos esforço põe a idade.» (est. 92, vv. 3-4) —, para fazer realçar a ideia de que até os velhos e as crianças, os mais fracos, participavam nesta despedida.
— a personificação em «o (…) Amor mais desconfia» (est 89, vv. 5-6), «mar iroso» (est. 91, v. 3), «sem que não quis Amor que» (est. 91, v. 2), «os montes de mais perto respondiam / quase movidos de alta piedade» (est. 92, 5-6);
— a dupla adjectivação — «saudosos (…) e descontentes» (est. 88, v. 4), «em tão longo caminho e duvidoso» (est. 89, v. 1), «penoso e amaro» (est. 90, v. 4), «mísera e mesquinha» (est. 90, v. 5), «doce e amado» (est. 91, v. 1);
— a hipérbole, presente nas expressões «sem que não quis Amor que viver possa» (est. 91, v. 2), «Essa vida que é minha e não é vossa» (est. 91, v. 4), «a branca areia as lágrimas banhavam, / Que em multidão com elas se igualavam»» (est. 92, vv. 7-8), fazendo realçar o sofrimento e o desespero que eram sentidos na praia de Belém.