Camões dirige-se aos seus contemporâneos * - Antologia - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
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Camões dirige-se aos seus contemporâneos *


Podereis roubar-me tudo:
as ideias, as palavras, as imagens,
e também as metáforas, os temas, os motivos, 
os símbolos, e a primazia
nas dores sofridas de uma língua nova,
no entendimento de outros, na coragem
de combater, julgar, de penetrar
em recessos de amor para que sois castrados.
E podereis depois não me citar,
suprimir-me, ignorar-me, aclamar até
outros ladrões mais felizes.
Não importa nada: que o castigo
será terrível. Não só quando
vossos netos não souberem já quem sois
terão de me saber melhor ainda
do que fingis que não sabeis,
como tudo, tudo o que laboriosamente pilhais,
reverterá para o meu nome. E mesmo será meu,
tido por meu, contado como meu,
até mesmo aquele pouco e miserável 
que, só por vós, sem roubo, haveríeis feito.
Nada tereis, mas nada: nem os ossos, 
Que um vosso esqueleto há-de ser buscado,
Para passar por meu. E para os outros ladrões,
Iguais a vós, de joelhos, porem flores no túmulo.

 

Sobre o autor

Jorge de Sena (Lisboa, 1919 — Santa Bárbara, 1978) foi poeta, crítico, ensaísta, ficcionista, dramaturgo, tradutor e professor universitário português, naturalizado brasileiro onde  viveu  alguns anos antes de se mudar para os EUA. Com vasta e muiltímoda obra pubicada,  o seu livro ficção mais famoso é o romance autobiográfico Sinais de Fogo. Cf. A evolução de plafom, o cinema no Cuidado com a Língua!,a invasão linguística da Web Summit e os alertas de Jorge de Sena + O Século de um Intelectual Indispensável.