A escansão (ou divisão métrica) dos versos, como sabemos, difere da divisão silábica, uma vez que a realidade poética se distingue pelo efeito/valorização da melodia e do ritmo. Portanto, e tendo como referência o Tratado de Versificação Portuguesa, de Amorim de Carvalho, «na contagem das sílabas [contagem essa que se refere à medição musical do verso, ou metro (como também é designado)] fundem-se estas conforme a pronúncia corrente (o que constitui a sinalefa), de modo que só se contam as emissões de voz individualmente bem distintas, e cada emissão chama-se sílaba métrica ou prosódica» (Amorim de Carvalho, Tratado de Versificação Portuguesa, 5.ª ed., Lisboa, Universitária Editora, 1987, pp. 15-16).
Por isso, nos versos de Os Lusíadas apresentados, há três casos de fusão de sílabas, em que se verifica «a contração numa sílaba de duas ou mais vogais em contacto» (Celso Cunha e Lindley Cinta, Nova Gramática do Português Contemporâneo, 17.ª ed., Lisboa, Sá da Costa, 2002, p. 667) — «o Im/pé/rio, e as/te/rras» e «do He/mis/fé(rio) —, o que leva a que a contagem dessas sílabas respeite as ligações das palavras. Assim sendo, o que em prosa corresponderia a 2 sílabas em «o - Im(pério)» e «do - He(misfério)» e a 4 sílabas em «(Impé)ri-o - e -as» tem, na divisão métrica, o valor de 1 sílaba, respetivamente.
Para além desta especificidade, não podemos esquecer-nos, também, de que, «metricamente, a contagem das sílabas métricas apenas se faz até ao último acento tónico, inclusive» (Amorim de Carvalho, ob. cit., p. 16), razão pela qual se colocam entre parêntesis a(s) sílaba(s) que se lhe(s) segue(m), significando as sílabas não contadas. É esse o caso dos dois versos apresentados, em que a última sílaba da palavra grave «vi/ci/o(sas)» e as duas últimas sílabas da palavra esdrúxula «Hemisfé(ri-o) não são contabilizadas.
Portanto, a escansão dos dois versos é feita da seguinte forma:
«A/Fé/, o Im/pé/rio, e as/ te/rras/ vi/ci/o(sas)» = 10 sílabas métricas
«Vê-/o/ tam/bém/ no/ mei/o/ do He/mis/fé(rio) = 10 sílabas métricas
Amorim de Carvalho recorda-nos, ainda, que «este processo de contagem de sílabas, que suprime as átonas finais do verso, não deve ser tomado como mera convenção, pois assenta no facto de, na pausa terminal do verso, a sílaba ou sílabas átonas (sem acento tónico) não terem interferência rítmica. Equivalem a sílabas de transição, de descaimento suave da voz para o silêncio» (idem, p. 17).