No episódio das corridas do hipódromo, em Os Maias, Eça exagerava propositadamente o uso de estrangeirismos, e levava o leitor a confrontar-se com o ridículo da cópia do que se fazia «lá fora».
Todos nos rimos desse uso abusivo, anglicismos e galicismos, que proliferavam nesse momento da diegese. E rimos porque percebíamos que não era necessário o seu uso, cúmplices do narrador que nos revelava uma elite exibicionista da sua superficialidade, rimos da vaidade com que as personagens usavam uma linguagem pretensamente «chic a valer».
Hoje, parece evidente o aumento do dispensável recurso aos estrangeirismos, e usamo-los sem que isso nos cause algum incómodo. Em boa verdade, continuamos a pensar que eles conferem um certo estatuto social a quem os usa.
O que é certo é que tropeçamos cada vez mais no nosso quotidiano numa panóplia de anglicismos (os galicismos foram definitivamente à sua vida!) que poderiam facilmente ser evitados. Frases como «dás-me o teu feedback sobre o filme?» em vez da simples opinião, ou «como estás, man?», rapaz deve ser muito plebeu, ou o spot em vez de lugar, ou «o mister orientou a equipa», rejeitando a clareza de treinador, para usar um termo muito mais abrangente… Mas isso que importa?
Se nos debruçarmos sobre determinados setores, verificamos a surpreendente substituição do léxico português que aparece em termos residuais. O caso da moda é paradigmático disso: hoje, o outfit, o jumpsuit, os pumps, os jeans … substituíram de forma convicta a roupa, o macaco, os sapatos altos, as calças de ganga. E o mundo das ciências sociais, nomeadamente da economia, verga-se a esta proliferação exagerada: account, por conta, report por relatório, brand por marca, broker por corretor, budget por orçamento, know-how por experiência técnica, num etc. sem fim.
Campos férteis de uma exibição que começa a ser uma verdadeira ameaça à língua materna.
Até as tascas, tão tipicamente portuguesas na sua alma, exibem agora nas ardósias gordurosas expressões como take away ou hot dog…
No linguajar próprio dos mais novos, alardeado sobretudo nas redes sociais, é mais do que comum o uso dos termos ingleses, como se fossem o selo de um código tribal.
O que nos levará a esta opção linguística, se temos ao nosso alcance a familiaridade da língua materna? Uma forma de exibicionismo cultural? Parecer cosmopolita? Ou provocará o riso, como acontece n’Os Maias?
Mas esta prática abusiva torna-se intolerável quando são os meios de comunicação social a usá-la, sem respeito por tantos falantes da língua portuguesa que não dominam as línguas estrangeiras, muitas vezes com uma escolaridade incipiente, postos assim à margem por meios de comunicação que pagam. Estarão os media a incorrer num erro grave de discriminação, ao falarem para um público-alvo, concentrado nas grandes cidades, com populações consideradas mais “esclarecidas”. Trata-se o país a duas velocidades, com displicência, quiçá, desrespeito.
Para concluir, relembro o episódio mais absurdo do uso de anglicismos, que faria o próprio Eça ficar verde de inveja por não se ter lembrado antes: com a chancela do poder político, o sul solar, paraíso dos ingleses reformados, passou a ser designado por Allgarve*. Que maior submissão da língua?
* N.E. – Depois do absurdo Allgarve, o Algarve anda agora às voltas com um movimento contra a exploração de petróleo na região, que prefere a denominação inglesa fracking ao traduzível e entendível por qualquer português perfuração; ou, num termo mais técnico, fraturamento (hidráulico). E porque será que praticamente todos os festivais de música, que pontuam o verão português de norte a sul do país, seja ela de que género de música for e para que tipo de público se destinar, se designam não na língua de quem os vai assistir, mas em inglês? Ele é o Amora Summer Fest, o Barreiro Rocks, o Belém Art Fest, o Bom Sucesso Summer Fest, o Caldas Nice Jazz, o Caparica Primavera Surf Fest, o Carviçais Rock, o EDP Beach Party, o EDP Cool Jazz, o ERP Remember Cascais, o Freedom Festival, o Nos Alive, o Lisboa Dance Festival, o Oeste Fest, etc., etc. Fora o que, na época estival, prooiferam também de "cups" e "foots": Euséibio Cup, Algarve Cup, Aveiro Cup, Estoril Foot, Masters Futebol 7, Sesimbra Summer Cup, Torneio EsposendeCup, VPA Cup, etc, etc. Não parece, mas é mesmo: festivais musicais e torneios de futebol, em Portugal, 2016... Supostamente para portugueses assistirem. e/ou participarem.