O meu pai já não sabe falar do Porto sem entristecer a expressão. «Há uns anos, éramos praticamente só nós e uma garrafa de champanhe nos Aliados.» Eram assim as celebrações de Ano Novo, muito antes de a cidade ser estreitada para os locais e expandida para os turistas.
Os anos começavam com língua portuguesa, entre a Praça da Liberdade e o principal edifício camarário. Ali pelo meio, até se conseguia avistar a senhora que sabia de cor a nossa meia de leite a caminho do trabalho. Agora, o meu pai lamenta que já nem consiga recomendar um bom restaurante (um que, com sorte, não é uma hamburgueria de nome inglês e até sirva rojões).
Na capital [portuguesa], os portugueses abandonam casas em troca de rendas astronómicas, as mesmas que os turistas estão dispostos a pagar. Os despejos são tema sério e atual e há lojas centenárias a fechar à velocidade da luz. O mal coincidiu com o turismo, que entre o muito investimento e desenvolvimento que trouxe a Portugal está a pôr os próprios turistas a deslocar-se até cá para verem mais turistas ainda. E desconfio que saem da cidade sem ouvir falar português.
A secretária de Estado do Turismo diz estarmos longe de sofrer das mesmas dores de crescimento de cidades como Barcelona, mas a massa turística já é um problema quando não nos deixa ver a senhora que nos serve a meia de leite todos os dias do outro lado da Avenida, num 31 de dezembro. Talvez já nem do desenho da cidade ela faça parte, onde muitos cafés de meia de leite já deram lugar a hamburguerias de nome inglês. A língua, as nossas lojas-avós, as ruas, as nossas pessoas e até as nossas casas morrem por acharem que o país está morto para eles. E, ao ver-se sozinho, com o sangue dos seus ao peito, Portugal vai morrendo também.
Artigo da autora no Diário de Notícias de 6 de maio de 2019.