As expressões idiomáticas são uma das facetas mais curiosas da linguagem, condensando imagens culturais, metáforas e referências históricas que, muitas vezes, não fazem sentido literal, mas que, para quem as usa na sua língua, têm um significado lógico. E o mais interessante é perceber que, entre o português e o inglês, há muitas expressões que, embora diferentes na forma, partilham o mesmo significado.
Quem nunca se surpreendeu ao descobrir que, em inglês, uma chuva torrencial se pode descrever como «raining cats and dogs»1 (literalmente, «chover gatos e cães»)? Já em português, preferimos que chova a cântaros (ou, em alternativa «chova a potes»). Duas imagens bem distintas para o mesmo fenómeno atmosférico. A expressão portuguesa transmite a ideia de uma chuva tão intensa que parece despejada de recipientes, como os cântaros usados tradicionalmente para ir buscar água à fonte. Por sua vez, a expressão inglesa tem uma origem obscura: há quem a associe a inundações nas ruas, onde, após tempestades, se encontravam cadáveres de animais, enquanto outras teorias apontam para palavras antigas relacionadas com fenómenos atmosféricos.
Outro exemplo curioso é o da expressão «dar com a língua nos dentes» que equivale ao inglês «to spill the beans» (literalmente, «entornar feijões»). Ambas significam revelar um segredo, embora recorram a metáforas distintas. Em português, a imagem remete para o ato físico de falar. A língua que se solta e acaba por “bater nos dentes”, ou seja, quebrar o silêncio e libertar o que devia permanecer guardado. Já a expressão inglesa terá, segundo uma das teorias mais aceites, raízes na Grécia Antiga, onde se votava com feijões, sendo usado um branco para aprovação e um preto para reprovação. Derramar os feijões antes da contagem final equivalia a revelar prematuramente o resultado secreto.
Todavia, existem também casos em que se observa uma notável correspondência idiomática entre o português e o inglês, tanto no sentido como na imagem metafórica utilizada, o que sugere a existência de conceitos amplamente partilhados entre culturas. É o caso da expressão portuguesa «vale mais um pássaro na mão do que dois a voar», cujo equivalente inglês «a bird in the hand is worth two in the bush» mantém quase integralmente a estrutura e a imagem. Ambas recorrem à metáfora de um pássaro já capturado, algo seguro, como preferível a dois que ainda estão livres e incertos. A ideia, que defende que é melhor garantir um benefício modesto e certo do que arriscar tudo por algo incerto, remonta ao provérbio latino medieval «Plus valet in manibus avis unica quam dupla silvis» (literalmente, «Mais vale um pássaro nas mãos do que dois nos bosques»).
De forma semelhante, a expressão «estar com a cabeça na lua», usada para descrever alguém distraído ou alheado da realidade, encontra paralelo direto no inglês «to have one’s head in the clouds». Embora as imagens celestes sejam ligeiramente diferentes (lua, em português; nuvens, em inglês), ambas remetem para a ideia de alheamento, devaneio ou distração mental, um afastamento simbólico da realidade concreta.
Concluindo, estas expressões idiomáticas, por vezes semelhantes, outras radicalmente diferentes, mostram-nos que, apesar das fronteiras linguísticas e culturais, há uma base comum de experiências, emoções e representações humanas. A forma como cada língua escolhe ilustrar essas realidades revela a sua criatividade e a sua história, mas também uma cultura partilhada. No fundo, mesmo quando as palavras mudam, as imagens que nos habitam não são assim tão diferentes.
1. A expressão inglesa «raining cats and dogs», usada para indicar chuva intensa, é hoje considerada datada ou antiquada. Embora ainda seja compreendida, soa exagerada ou até cómica em contextos atuais. Formas mais naturais e modernas incluem «It's pouring» ou «It's coming down hard». Veja, por exemplo, aqui e aqui explicações sobre isto.